quinta-feira, 30 de julho de 2009

Pelas Tabelas: Yamandu e a música de fronteira


Yamandu não gosta de tocar durante uma entrevista. Entre uma resposta e outra os dedos esfriam, reclama, e as suas interpretações são sempre quentes. Pode ser uma valsa chorona, de andamento moderado, como "Aurora", parceria com Hamilton de Holanda em homenagem às suas avós, que por coincidência ostentam o mesmo nome, ou uma música de tradição fronteiriça, alternando-se entre o galope e a contemplação, como a inédita "Sarará", que ele pede que seja utilizada na íntegra na edição do programa. Yamandu está entusiasmado com a nova canção. "Precisa fazer uma letra pra ela, depois", fala para si mesmo antes de cantarolar improvisando alguns versos tendo como inspiração um cavalo baio.

Todo o sentimento que coloca quando toca o violão, Yamandu deixa vazar também quando está à vontade para falar. Naquela noite do princípio de abril, em um bolicho improvisado às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, nós o recebemos com um chimarrão e grandes expectativas. Confortável naquele ambiente, soltou as rédeas da memória remontando as lições caseiras da infância tomadas no convívio com o seu pai, integrante do grupo nativista Os Fronteiriços, primeiro e definitivo mestre, sem esquecer dos que veio a conhecer depois, como o maestro argentino Lucio Yanel, com quem gravou o seu primeiro disco, e o grande Baden Powell, a quem teve a oportunidade de conhecer ao ser convidado a fazer abertura de um show do criador dos afro-sambas em Porto Alegre, quando ainda morava na capital gaúcha.

A grande revelação da entrevista soou um pouco estranha. Yamandu diz estar em um momento da carreira de retorno às origens musicais dentro das quais foi criado. Surpreendeu-nos ao afirmar peremptoriamente que o seu "interesse em música" estava na "música de fronteira" dos pampas, praticada de um lado e de outro das margens do Rio da Prata e de nacionalidade indefinida. É o que ele chama de cultura doble chapa, a um só tempo portuguesa e castelhana.

Em seu último disco de estúdio, Lida (2007), o compositor e violonista já se debruçava sobre a musicalidade e os temas deste universo. Porém, depois do lançamento do disco, vieram os shows em duo com Hamilton de Holanda, que foram gravados mas ainda estão inéditos em disco, e a criação de uma peça orquestral, em parceria com Paulo Aragão, apresentada no final do ano passado ao lado da Orquestra Sinfônica Brasileira.

Conforme aprendera nas lições semanais do pai, comprovou em sua trajetória que só há dois tipos de música: música boa e música ruim. Na dúvida, temendo estabelecer limites para a sua arte, optamos por deixar de fora a declaração que aqui se pode revelar: o garoto de Passo Fundo, que descobriu o mundo através da música, agora busca mergulhar nas raízes musicais dos pampas para reinterpretá-las através das sete cordas do seu violão. Talvez trate-se de uma direção ocasional em sua trajetória enquanto compositor, pois não é razoável supor que o músico deixará de transitar livremente pelos estilos que lhe aprazem. Isso está claro, sem que Yamandu precise dizer qualquer palavra, basta ouvi-lo dedilhar as cordas do seu violão.

Além disso, como recordou, foi como solista de choro que ele primeiro se destacou, especialmente com sua versão de "Brejeiro", de Ernesto Nazareth, no Prêmio Visa. No Rio, aproximou-se com o movimento de renovação da Lapa a partir das rodas de choro comandadas pelo violonista Zé Paulo Becker.

O certo é que, pouco tempo depois das gravações do programa, Yamandu entrou em estúdio com a sua mãe, Clari Marson, para gravar um disco sobre o qual o rótulo de regionalista caíria muito bem. É este artista imprevisível, tal qual o seu estilo ao tocar o violão, que está retratado no Pelas Tabelas que vai ao ar nesta sexta-feira, às 21h, no Canal Brasil, com reprise no domingo, ao meio-dia. Seu companheiro no programa é o bandolinista Hamilton de Holanda

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