quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Mariana Aydar e os caminhos a seguir

Pensara em ir ao Canecão assistir à estreia carioca do show de Peixes Pássaros Pessoas no início de outubro. Tinha curiosidade de ouvir as novas canções ao vivo, mas a imponência da casa acabou por me afastar. Preferi esperar por uma outra apresentação em local mais apropriado, condizente com o clima e com o 'tamanho' da cantora - nos palcos do Rio Mariana Aydar ainda dá seus primeiros passos.

Aconteceu ontem. Assisti à segunda sessão de Mariana no projeto Pode Apostar, do Centro Cultural Banco do Brasil, série de shows que está sendo realizada também em São Paulo e Brasília. E a mesma notória evolução alcançada no segundo disco em relação ao primeiro se repete, agora, no palco. Aquela cantora que se apresentou pela primeira vez no Rio no Centro Cultural Carioca, em março de 2007, tinha um repertório baseado em clássicos do passado, eminentemente sambas e alguns forrós, e uma banda arregimentada para reproduzi-los respeitosamente.

A escolha de "Minha Missão" - eterna na voz de Clara Nunes - para começar o show, com cavaquinho e violão de 7 cordas, em uma interpretação correta, porém fria, transmitia uma sensação de deja vu. Revelou-se apenas uma escolha equivocada. A única da noite, pois logo em seguida, na execução de "Tá?", uma das melhores do novo disco, o cavaquinho é trocado pela guitarra, o 7 cordas pelo baixo e o teclado de Lucas Vargas faz ribombar seus graves distorcidos, abrindo caminho para uma outra Mariana tomar a cena. Mais segura e incisiva, apesar de alguns altos e baixos. E baixos aqui não devem ser entendidos como maus momentos, mas sim como sintomas de uma certa instabilidade, variando entre a catarse e a retração.

Para os fãs que lotavam o teatro, talvez a oscilação da intérprete no palco tenha passado desapercebida, mas durante "Zé do Caroço" e o número que se seguiu, ela acabou se evidenciando. Depois de cantadas as primeiras estrofes, surge a voz de Leci Brandão. Seria uma base pré-gravada? Não, era uma surpresa guardada na coxia, de onde surgiu a sambista vestindo um traje de azul esfuziante, entoando os versos políticos de sua canção com extensa potência vocal. Tantas vezes apresentado, o dueto fluiu bonito e harmonioso. Seguiu-se um discurso de agradecimento, Leci tecendo loas à sua afilhada por tê-la feito tocar nas rádios do Rio pela primeira vez em mais de trinta anos de carreira. Até então, jamais tivera espaço, afirmou a madrinha, há tempo radicada em São Paulo.

A canção seguinte, "Deixa, Deixa" - não confundir com "Deixa", de Ivan Lins, redescoberta a partir do sample de Marcelo D2 na sua "Desabafo" -, outra do repertório de Leci, não saiu tão redonda. Leci brilhou, atraindo as atenções para si no centro do palco, enquanto Mariana, reverente e também tímida, fazia o contracanto do hino liberal, que há trinta anos atrás já advogava a liberdade como antídoto contra a violência. Qualquer um pode beber, fumar, discursar, enfim, fazer o que bem quiser, defende, até a seguinte conclusão: "é melhor do que ele sacar de uma arma para nos matar". Nesse momento, nota-se que, para Mariana, assim como para a maioria de suas contemporâneas, o palco ainda não é um espaço no qual elas se sintam totalmente confortáveis.

No caso de Mariana é também uma questão de repertório. Ela se sai melhor quando investe nas canções de Peixes Pássaros Pessoas, e ganha ainda mais quando o samba fica um pouco de lado, o que, conscientemente ou não, aconteceu no CCBB. "Beleza", "Peixes", "Nada Disso é pra Você" e "Aqui em Casa", além de "Tá?", foram as melhores da noite.



Porém, como ela revelou ao público, o samba a persegue desde os tempos da escola primária, quando ela e outros colegas eram obrigadas pelo motorista da kombi escolar a ouvir diariamente um programa dedicado aos bambas, ao invés das rádios jovens com seus sucessos efêmeros. Mariana faz bem em entregar-se a essa perseguição quando canta os sambas contemporâneos de Duani - "Florindo", por exemplo, embora "Manhã Azul", aquele que considero o mais belo do disco tenha sobrado, apesar de pedidos da plateia. Nem tanto quando resgata canções da memória do seus tempos de menina, como "Te Gosto", do Fundo de Quintal.

Depois que Leci vai embora, abre-se um vazio em cena. Por isso mesmo, o público praticamente exige a volta de Leci para o bis e o que poderia se tornar uma perseguição um tanto exagerada do samba, revelou-se a deixa para uma vingança divertida. "Zé do Caroço" caiu no funk e virou um batidão comandado pelas MC's Leci e Mariana, com adornos de guitarra e cavaquinho, apontando para outros possíveis  - e por que não inusitados? - caminhos a serem seguidos.

Um comentário:

Anônimo disse...

A Mariana Bernardes(não sei porque ainda não tem um disco solo) fez uma versão lindona de Minha Missão em um cd em homenagem a Clara.
Vale a pena!

Jose Henrique