terça-feira, 1 de abril de 2008

Hype em versão brasileira

Fenômenos espontâneos surgidos a partir da internet que tomem de assalto as velhas mídias ainda não fazem parte da realidade virtual da música brasileira, mas a necessidade - ou o desejo - de encontrar um(a) artista pioneiro é capaz de produzir eventos artificiais. Em inglês, o termo que descreve esse reconhecimento espontâneo e contagiante é o hype. Como na língua portuguesa não há expressão similar - a mais próxima seria a pejorativa "moda" -, nada mais natural que em terras brasileiras o hype se faça ouvir em músicas cantadas em um inglês irregular.

Mallu Magalhães, menina paulista de 15 anos, de jeito tímido, modos delicados, sorriso ingênuo e voz ainda instável, foi a escolhida. Preferiu debutar no Myspace ao tradicional baile embalado pela valsa de salão. Suas canções folk melancólicas de poética nonsense saíram diretamente da internet para as telas da televisão aberta e fechada, da Globo a MTV, passando pela Play TV do filho do presidente. Não foram às rádios porque estas ainda vivem do modelo falido herdado dos tempos de pujança das grandes gravadoras. O jeito sem jeito da pequena Mallu foi parar nos cadernos de cultura, até mesmo na capa da Ilustrada em foto posada para emular similaridades britânicas. Além, é claro, dos suplementos adolescentes, onde manifestações de fúria e rejeição em forma de cartas de leitores superaram em muito uma possível idolatria. E, surpreendentemente - ou não? -, nas páginas de revistas de perfis variados, das semanais às especializadas em música e cultura pop. O espaço cativo no perfil recomendado do Myspace Brasil veio a calhar para a empresa. Graças a Mallu, uma artista nascida e criada nas páginas do portal, a versão brasileira garantiu uma enorme quantidade de acessos ao site.

Não acredite no Hype!
Quando Lúcio Ribeiro, Álvaro Pereira Jr, Thiago Ney e Humberto Finatti concordam em avalizar e exaltar uma cantora brasileira de 15 anos de idade e pouco mais do que cinco músicas lançadas é de se desconfiar. Afinal, estamos acostumados aos comentários de um que diz que nada feito no Brasil presta. De outro, que as cantoras brasileiras ficam todas a dever as estrangeiras por causa das letras, abstendo-se de julgar a música. Do primeiro e do último até se entende. Um é o grande responsável pelo Hype, através de seu Poploaded baseado no IG. O outro está sempre pronto a embarcar em ônibus lotados e ir logo sentando na janela. Ao seu lado, sentou-se Serginho Groisman, a quem ele poderia ter dado algumas lições para que o apresentador da Rede Globo não demonstrasse um constrangedor desconhecimento a respeito do grande fenômeno cultural do momento. Seu despreparo era tamanho diante da pequena Mallu que teria sido melhor ter dado a palavra a Zeca Pagodinho, que a ouvia cantar com um enigmático sorriso no rosto, apesar da distância entre os universos da malandragem carioca e da modernidade paulistana. Jô Soares, então, deve ter ficado de fora. Obrigado a segui-la a bordo de seu carro particular blindado e com vidros totalmente escurecidos pelo insulfilm, nem por isso ficou menos a vontade para falar, como sempre sem o menor interesse em ouvir.

Mallu diante de mais um de seus descobridores: o "bem informado" Serginho Groisman


E alguém chega a ouvir? Claro que sim. Embora não haja justificativas musicais suficientes que façam de Mallu 'a escolhida', ao menos pelo que dela se ouviu até agora, não há qualquer vestígio de falsidade ou de auto-promoção em suas canções. Há uma ingenuidade sincera, quase infantil, embalada por melodias delicadas muitas vezes traídas pela afinação de uma voz em formação, especialmente em apresentações ao vivo. Ao folk, que vive um período fértil no Brasil especialmente graças ao Vanguart, esta sim uma banda renovadora, cujos integrantes desde cedo a acolheram por acreditarem em seu potencial, Mallu nada acrescentou. No máximo emprestou-lhe um frescor juvenil que pode ser igualmente encontrado nas canções de Stephanie Toth, a outra representante do folk-teen paulistano a quem não foi concedido o benefício do hype. Tal é a similaridade que uma teria de ser necessariamente 'a escolhida'.  

E foi Mallu. Uma artista tão jovem, sem pudores em desnudar seus sentimentos e fragilidades, especialmente enquanto cantora e compositora, é capaz de cativar aos seus iguais, jovens que como ela começam a experimentar a vida a partir de uma janela bidimensional, aberta ao impalpável, totalmente apartada daquilo que aqueles que a elevaram a fenômeno midiático teimam em tomar por real. Não, seus jornais, suas revistas e seus programas de TV só servem para aqueles que ainda precisam de um guia que lhes proteja das idiossincrasias da cultura livre. No caso de Mallu, sua música é o próprio guia. Quem sabe ela seja a primeira representante da segunda geração de uma cena nascida espontaneamente a partir do Vanguart? Sempre haverá quem diga: não vá dizer que eu não avisei. A questão é: eu quem?

2 comentários:

Tiago Jucá Oliveira disse...

Não fico num extremo nem no outro. O Brasil tem excelentes cantoras, e Mallu não sei se um dia estará entre elas. Mas creio que aos poucos voltaremos a ter algumas das melhores cantoras do mundo, como algumas décadas passadas, quando tínhamos Clementina, Dona Ivone, Clara, Elis, Nara Leão, Eliseth Cardoso... Pelo que elas têm mostrado, e pelo reconhecimento e remixagens feitos por gringos, já podemos por Cibelle, Deize Tigrona, Céu, Nina Beker, Roberta Sá, Vanessa da Mata, Bebel Gilberto, Thalma de Fretas ao lado de Amy, Joss, Madonna, Erikah Baduh, Rhianna, ...

Evandro Varella disse...

Pindzim,
Adorei seu blog! Parabéns, bons textos e informações que a gente não encontra com facilidade não!
Se me permitir gostaria de colocar o seu link no meu blog de iniciante!
Abraços
Evandro