terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Humaitá pra Peixe: Fino Coletivo

Banda que conquistou o público carioca em apresentações ao vivo, o Fino Coletivo faz um som baseado no balanço. Pitadas de samba rock, reggae, batidas funkeadas que são um convite à dança. Talvez por isso, o começo do show foi morno. Com o público confortavelmente acomodado nas cadeiras da Sala Baden Powell, os músicos no palco pareciam pouco a vontade, sem a resposta a que estavam acostumados em suas temporadas cariocas. Gritos da platéia como "aperta o fino que o fino é coletivo" foram a senha para que o público começasse a se soltar definitivamente. Já era a parte final da apresentação e somente na última música, o sucesso "Tarja Preta/Fafá", e no bis todo a platéia entrou em sintonia com a música e se levantou para dançar em celebração.

Como saldo final do Humaitá pra Peixe, vale a consideração de que o ganho acústico que o festival obteve com a mudança do Teatro Sérgio Porto para a Sala Baden Powell teve o efeito colateral de tornar mais frias todas as apresentações - e o Fino Coletivo, especialmente, assim como o Manacá, sofreu bastante com isso. Coisa que só acontecia no aquário original do Humaitá quando o artista realmente não conseguia estabelecer qualquer empatia com o público. Porém, deixemos as considerações finais sobre a edição 2008 para depois de quinta-feira, quando Quito Ribeiro encerra definitivamente o festival. Por hora, fiquem com a reportagem sobre o Fino Coletivo:

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Humaitá pra Peixe: Superguidis

Após um show consagrador no Humaitá pra Peixe, a gurizada do Superguidis revelou quais são os planos da banda para 2008: compor novas músicas para um futuro disco, a ser lançado em 2009, gravar um clipe e continuar tocando pelo Brasil para conquistar novos fãs. O foco é a música. Nunca os eventuais benefícios que uma carreira de sucesso poderá proporcionar aos integrantes. Ao apresentá-los, Bruno Levinson, o idealizador e produtor do Humaitá pra Peixe, apostou que este é o ano em que a banda vai estourar. Talvez, "num futuro próximo, ou distante", conforme as palavras do guitarrista e vocalista Andrio Maquenzi. Enquanto isso, atividades rotineiras, como as aulas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e o serviço, compõem a nem tão amarga sinfonia dos futuros superstars. Retire-se o super e temos as mais brilhantes estrelas da nova geração do rock gaúcho. Abandonadas as velhas piadas internas, fica-se apenas com o sotaque e uma dúvida: cabe a eles este maldito rótulo? Definitivamente, não é o mais apropriado. Troque o simbolismo da bombacha pela literalidade  de guitarras que se chocam e se completam ao estudar-lhes a genealogia. O baixo e a bateria compõem uma cozinha discreta e reta, base sólida para os devaneios elétricos de Lucas e Andrio. As letras funcionam, às vezes ingênuas, tangenciam o humor, sem abuso, versando sobre temas comuns àqueles que se encontram no vácuo entre a adolescência e a vida adulta. Trabalham para adestrar a anarquia guitarreira, mas não adianta. Traduzindo livremente uma expressão comum ao pop internacional, o Superguidis é uma "banda de guitarras". 

Perto demais das capitais
Um público fiel foi conquistado entre os gaúchos através de apresentações ao vivo, do boca-a-boca e das plataformas virtuais, com pouco auxílio das velhas e desgastadas mídias. Não que eles as desprezem. Elas é que não estão conseguindo se adaptar à velocidade das renovações.  O circuito de festivais independentes, aliada à divulgação via internet, tem aproximado o Superguidis de um público mais amplo em território nacional. A repercussão de uma recente apresentação no Acre ainda causa surpresa e sensação, mas a banda não tem urgência em impor sua dominação sobre outras terras. Ou pelo menos não tem planos imediatos de abandonar o rincão natal. Pretendem construir uma carreira nacional mantendo em Porto Alegre a sua base. Ao contrários de seus "antepassados do rock gaúcho", os integrantes do Superguidis acreditam estar perto demais das capitais. São mesmo outros tempos. Bem-vindos sejam!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Humaitá pra Peixe: Songoro Cosongo

A tempestade que se abateu sobre o Rio no fim da tarde de sábado não foi capaz de tirar o bom humor dos integrantes do Songoro Cosongo, ou diminuir a tradicional intensidade das apresentações do combo sul-americano nascido nas quebradas de Santa Tereza. As conseqüências da chuva foram sentidas na Sala Baden Powell. O auditório estava praticamente vazio quando a banda entrou no palco. Satisfeitos por estarem tendo a possibilidade de se apresentar fora de seu habitat natural, os integrantes do Songoro Cosongo fizeram um show que tinha tudo para ter sido o baile pré-carnavalesco do Humaitá pra Peixe. Não há referências explícitas, ou instrumentos típicos, do samba carioca. Metais e percussão constituem o alicerce da combinação de ritmos latinos, quentes, dançantes e irreverentes, que caracteriza a sonoridade da banda. Mas, por estar radicado no Rio de Janeiro e circular com sua música no circuito Lapa-Santa Tereza, é natural que o Songoro Cosongo seja também um bloco. Sai na manhã da segunda-feira - concentração às 9h no Curvelo, dia 4 de fevereiro - contribuindo para a renovação do carnaval de rua na cidade ao inserir o componente da diversidade na folia carioca. 

Com tal mistura de referências sonoras e culturais, tentar definir a musicalidade do Songoro Cosongo exigiria um esforço reducionista. O show no Humaitá recomenda àqueles que ainda não tiveram a oportunidade de conhecê-los que não percam a próxima oportunidade.

Confira abaixo reportagem com o Songoro Cosongo realizada minutos antes de eles subirem ao palco da Sala Baden Powell:


quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Humaitá pra Peixe: Manacá e Frank Jorge

Noite de regionalismos universais
No sábado, dia 12, apresentaram-se no Humaitá pra Peixe dois artistas de origens e influências tão diversas quanto possíveis. Como traço comum, apenas a clássica formação roqueira, assentada em guitarra, baixo e bateria e a exploração de tradições regionais tão diversas quanto os pampas gaúchos - o frio, a referência sonora do pop inglês dos anos 60 - e a conexão entre o Rio de Janeiro e o sertão nordestino através da linguagem do rock pesado.

Da flor desse Manacá
O prelúdio instrumental conduzido por viola, pandeiro e rabeca foi uma perfeita introdução ao universo poético e musical do Manacá. Em seguida, a viola é trocada pela guitarra e o som, antes singelo, de uma hora para outra se transforma, como nuvens pesadas que cobrem o céu claro anunciando a tempestade que está por vir. No centro do palco, as luzes recaem sobre a vocalista Leticia Persiles. Naturalmente, com um perfeito domínio cênico e vocal, sem maneirismos, ela assume a condição de líder messiânica da trupe. O show se transforma em um espetáculo de mão única. Toda força emana do palco. Impedido de se entregar aos convites do ritmo, devido às cadeiras da Sala Baden Powell, o público se deixa hipnotizar pelo magnetismoa da vocalista.

Enquanto muitas das letras de Leticia versam sobre temas como o misticismo, a religiosidade e os costumes nordestinos retratados no contexto de suas áridas paisagens, as melodias carregam a tortuosidade de secas raízes retorcidas, evocando lamentos sertanejos que, ao mesmo tempo que são desviados da obviedade do rock puro e simples, são potencializados pelo peso dos arranjos.

A síntese da musicalidade do Manacá é "Diabo". Aquele que, antes mesmo do lançamento do primeiro disco oficial da banda, programado para o mês de março, configura-se como o hit inaugural da banda É uma música que se pode muito bem imaginar tanto na voz de Pitty, como entoada por um dos muitos sanfoneiros anônimos do sertão em forrós de pé de serra. Enfim, uma canção universal unindo as pontas de pólos musicais opostos. Muito mais do que um bom começo para uma banda que tem menos de dois anos de estrada. O caminho para o sucesso está pavimentado e pelo que se viu no Humaitá pra Peixe, não será necessário passar pelas agruras às quais são submetidos os retirantes de vida severina.



Obsessão anos 60
O grande números de gaúchos que marcaram presença na platéia contribuíram para que o show de Frank Jorge tenha sido um dos mais animados do festival até então. Celebrando 10 anos de carreira solo em 2008, Frank entrou no palco vestindo terno e gravata pretos, apesar do calor, e ostentava um óculos retrô de proporções exageradas. Parecia um personagem de HQ. E foi muito bem recebido. Logo na primeira música, "Serei mais feliz (Vou largar a Jovem Guarda)", os mais animados se posicionaram no corredor central, bem em frente ao palco, fugindo das cadeiras, para dançar e puxar o coro com sotaque carregado. À medida que as canções se sucediam, mais gente se concentrava ali. Uma camiseta vermelha do mais Internacional dos times brasileiros se destacava no gargarejo e a marcante rivalidade futebolística não demorou a aflorar. Do fundo da platéia alguém gritou: Grêmio. Frank, de cima do palco, rebateu: "não fala essa palavra no meu show". Foi a senha para a torcida colorada entoar cânticos das arquibancadas. Até um torcedor do Juventude se manifestou. "Esse veio de Caxias do Sul", comentou Frank. Outro colorado lembrou: "e nós viemos de Dubai". Frank riu, sentindo-se praticamente em casa.

Mas ao primeiro acorde da guitarra introduzindo a música seguinte, a bailanta roqueira com influências sessentistas nacionais e estrangeiras apaziguou a rixa entre as torcidas unindo-as em uma só vibração: Frank Jorge Musical Clube. O repertório alternava canções de seus dois discos solos já lançados - Carteira Nacional do Apaixonado e Vida de Verdade - e algumas inéditas. As únicas concessões foram feitas a dois clássicos da Graforréia Xilarmônica - "Amigo Punk" e "Eu" -, e "Se Você Pensa", de Roberto e Erasmo Carlos, que encerrou a apresentação.

Pedro Veríssimo, da Tom Bloch, foi o convidado especial da noite. Ele subiu ao palco para cantar "Vida de Verdade". Na seqüência, juntos, eles emendaram "Pilhas de Livros", música que estará no terceiro disco e, nas palavras do próprio Frank, "tem um clima meio Mama's and the Papa's".

Do trabalho inédito, cujo nome ainda não está definido, foram apresentadas também: "A historiadora", cuja inspiração Frank garante não ter sido auto-biográfica, é "uma música que brinca um pouco com o universo de uma professora pós-graduada misteriosa que não dá bola pra um cara da vizinhança que é apaixonado por ela"; "Não espero mais nada" é "uma daquelas que mais remete à minha influência de Jovem Guarda". A promessa de abandonar a Jovem Guarda, motivada por um comentário de Julio Reny, companheiro de Caubóis Espirituais, ao que parece, serviu apenas de mote para uma canção e jamais será cumprida. Por fim, "Obsessão anos 60", que se caracteriza pelo tom irônico e nasceu a partir de uma frase que veio à cabeça do compositor: "não suporto mais sua obsessão pelos anos 60, não consigo explicar, só sei que ninguém mais aguenta". O disco está praticamente pronto e será lançado ainda no primeiro semestre. A gravadora não está definida.

Veja abaixo reportagem especial com o músico gaúcho após o show:

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

DJ Dolores: músicas do novo disco no Myspace


DJ Dolores disponibilizou cinco músicas de seu próximo disco, 1 Real, em sua página no Myspace. "Tocando terror", a primeira no playlist, conta com Tiné nos vocais e se assenta sobre uma base eletrônica sem muitas variações em que se destaca uma guitarra em solo permanente entre a cúmbia e o carimbó. "Deixa falar" começa com um clima etéreo que remete ao dub, mas só até os metais entrarem abrindo caminho para o vocal de Isaar, a vocalista predileta de Dolores, pelo menos a mais recorrente em seus trabalhos anteriores. Daí em diante torna-se uma tarefa inglória tentar definir a musicalidade da faixa. Ouça e tente você mesmo. A tradição pernambucana é evidente em "Proletariado", com a rabeca em evidência a marcação do triângulo que acompanha a programação eletrônica. Mesmo assim, não é possível associá-la a um gênero musical específico. Beats quebrados, uma guitarra funkeada e um MC com sotaque pernambucano resultam em "Saudade". E a última, "JPS" é um xote entrecortado por versos de embolada.

Esta prévia generosa reafirma Dolores como um dos mais inventivos DJ's brasileiros e provoca grandes expectativas pelo lançamento do disco na íntegra. Integram a lista de convidados, músicos do naipe de Fernando Catatau, Dengue, Junior Areia e Bactéria, baixista e tecladista do mundo livre s/a. Silvério Pessoa, Mônica Feijó, e a cantora francesa radicada no Rio de Janeiro, Marion, além, é claro, da já citada Isaar colaboram nos vocais. 1 Real será lançado primeiramente na Europa, em fevereiro, pelo selo belga Crammed Discs, a mesma das cantoras Bebel Gilberto e Cibelle. Infelizmente, ainda não há previsão de lançamento no Brasil.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Retrospectiva 2007: Shows - Parte 1

2007 se encerrou. É comum que se façam balanços retrospectivos sobre o que de melhor aconteceu em diversas áreas. Na música, normalmente, as listas de melhores discos predominam e Pindzim não vai se furtar a oferecer a sua àqueles que estiverem interessados. Porém, os momentos de maior prazer dos amantes da música são os shows. Assistir ao ídolo querido, descobrir uma banda ou um artista novo confrontando-o da platéia, conferir como a sonoridade de um disco é retrabalhada no palco. Enfim, a experiência única de ver a música sendo construída nota por nota em tempo real, sem mediação. 

Lembro abaixo alguns grandes momentos sem pretensões hierarquizantes. Afinal, na música, melhores e piores são determinados por uma questão intransferível de gosto pessoal:

Nação Zumbi - Circo Voador - 14 de dezembro
Fome de Tudo, o disco novo da Nação lançado no fim do ano, não me pegou de imediato. Não porque soasse mais ou menos pop, como se tem discutido. E sim porque é normal que os discos mais relevantes, aqueles que entram para a história, causem em um primeiro momento uma sensação de estranhamento. Com este sentimento aliado a uma certa preguiça devido a fúria que o som da Nação provoca sobre o público, me dirigi ao Circo Voador. Cheguei quando rolava o show de abertura com Ortinho e convidados. Naquele instante, cantava o mago Junio Barreto, "Amigos bons".  Mesmo sozinho, pareceu-me um bom presságio. Me posicionei no melhor ponto da pista do Circo e ali fiquei até o fim, sem sair para beber ou mesmo ir ao banheiro. Transpostas para o palco, misturadas às antigas, as músicas de Fome de Tudo se distinguiram dos velhos clássicos por valorizarem arranjos climáticos, os tambores trabalhados de forma mais sútil, pois a receptividade dos fãs a elas era automática. Apenas as reações mais contidas, entre o balanço e coros eventuais para a voz de Jorge du Peixe. Nas músicas mais antigas e pesadas a insana roda de pogo se espalhava por toda a pista. Confesso que os melhores momentos, para mim, foram os de Fome de Tudo e os poucos que relembraram o disco anterior, Futura. Otto se integrou a banda a partir do meio do show e não saiu mais, revezando-se entre a percussão e o vocal de apoio. Junio Barreto voltou ao palco para cantar "Toda Surdez Será Castigada". O ápice ficou para o fim. Foi quando B Negão subiu ao palco para cantar o refrão de "Manguetown", levada pela guitarra com um efeito espacial. É tudo que eu consigo lembrar daquele que foi o mais festivo show da Nação que assisti até hoje. 

Céu - Mistura Fina - 29 e 30 de novembro
Céu é uma cantora que recria suas músicas ao vivo com auxílio de sua excelente banda. Já escrevi sobre isso aqui. Ao longo destes dois anos de carreira nos palcos, as músicas foram ganhando novos detalhes. Improvisos vocais, as batidas quebradas do baterista Sérgio Machado alterando o ritmo aqui e ali, os scratches do DJ Marco preenchendo espaços com overdubs, injetando um suíngue derivado do hip-hop sem se impor sobre a multiplicidade sonora que caracteriza a musicalidade da cantora. Dependendo da noite, o show pode enveredar por improvisos jazzísticos ou, ao contrário, concentrar-se na linha melódica conduzida pela voz. Na mesa colada ao palco do Mistura Fina, o retrato fez-se nítido: da aparente oposição entre a energia irradiada pelo som e a delicadeza de sua presença, inconscientemente, sem artifícios ou grandes cuidados de produção, Céu forja naturalmente a mais interessante personalidade artística da música brasileira atual. Ave Céu!



Rodrigo Maranhão - Temporadas no CCC
Do Rodrigo Maranhão nervoso e de poucas palavras da estréia do show de lançamento de Bordado, ao bem humorado e falastrão da mais recente apresentação em novembro último, nota-se, além da mudança de comportamento, um compositor e uma banda cada vez mais a vontade com o repertório. Os arranjos permanecem os mesmos, privilegiando instrumentos acústicos, embora algumas músicas tenham incorporado baixo e guitarra, mas, agora, há margens para maiores improvisos. Especialmente, a partir do acordeão de Marcelo Caldi. A participação de convidados especiais, como Edu Krieger e Roberta Sá, renderam números memoráveis no palco do Centro Cultural Carioca. Se já estava afirmado como compositor, o carinho da platéia presente em seus shows indica que somente as canções não nos satisfazem. É na delicadeza de sua voz e de seu violão, na cumplicidade com seus velhos companheiros de Bangalafumenga, que Rodrigo Maranhão cria as mais belas interpretações que suas canções podem ter. Sendo um cara generoso, de vez em quando ele pode convidar uma ou outra intérprete para cantá-las em dueto. Com Roberta Sá, "Olho de Boi", inédita tanto nos shows dele quanto nos dela, ficou linda.



Na próxima parte, Thalma "Voz" de Freitas e Paulão 7 Cordas, Bebeto Castilho e Cibelle.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Humaitá pra Peixe: Maquinado

Ao anunciar o show do Maquinado na noite de domingo, Bruno Levinson, idealizador do festival, apresentou Lucio Maia como um dos maiores guitarristas do Brasil. Com todo respeito a todos os demais, o integrante da Nação Zumbi há tempos é "O" melhor. Se na banda, os riffs de sua guitarra são a espinha dorsal das canções, frases que determinam o ritmo e a intensidade da massa percussiva, e o encaixe dos versos de Jorge du Peixe, Lucio faz  do Maquinado um espaço recreativo. Com o chapéu enterrado na cabeça sob uma iluminação sombria, mal se vêem as expressões em seu rosto. Todas as luzes se concentram sobre a guitarra. Os beats e scratches do DJ PG e o gravíssimo baixo de Dengue compõem a base, ao mesmo tempo sólida e sútil, para os devaneios elétricos do Homem-binário. As canções se dissolvem ao serem recriadas ao sabor do passeio da mão esquerda de alto a baixo sobre o braço da guitarra e do manejo dos pedais, fazendo desvanecer qualquer conceito de autoria. O suíngue da mão direita é parente próximo do batuque de outro velho companheiro de Nação, o percussionista Toca Ogan. E o rock flui naturalmente, eminentemente elétrico com leve tempero acústico-eletrônico. Um convite à dança que as cadeiras da sala Baden Powell não deixaram se materializar, exceto pelo próprio Lucio e alguns poucos empolgados da platéia posicionados no fundo da sala.

É interessante observar que o show do Maquinado, distancia-se totalmente do disco lançado no ano passado. Enquanto Homem-binário pode ser enquadrado dentro do conceito de disco de produtor, em que Lucio Maia se propôs a explorar outras possibilidades formais como guitarrista e compositor, diferentes de seu trabalho com a Nação Zumbi. Os riffs poderosos continuam constituindo o núcleo celular das composições, mas as diversas texturas de guitarra que Lucio consegue extrair e combinar em uma mesma música, unidas a um teclado, ou a um trompete, como em  "Alados", se destacam mais do que o virtuosismo de seus solos. Assim como grande parte do repertório do disco não foi incluído do show, em parte porque não seria fácil reunir o grande elenco de convidados que colaborou com os vocais em pelo menos metade das músicas, no palco, os solos, em que cada nota é mais importante do que a harmonia, são o show. 



Há quem prefira ver no palco uma reprodução fiel da sonoridade obtida a partir do disco gravado em estúdio, mas provavelmente não é o caso daqueles que lá estavam. E também daqueles que ainda terão a oportunidade de assistir a futuras apresentações do Maquinado. Lucio Maia, o homem-binário em seu projeto solo, não parece ser capaz de fazer uma apresentação igual a outra. Assim, que venham as próximas.