O ápice foi a estréia solo de Marcelo Camelo em casa. A tenda ficou cheia e as atenções estiveram todas voltadas para o palco. Adaptando o roteiro da apresentação, Camelo fez o primeiro show da turnê de "Sou" em que o Hurtmold não saiu de cena em nenhum momento. Os números de voz e violão ficaram reservados para a volta, em dezembro, no Canecão.
Foi uma opção inteligente. "Téo e a Gaivota" abriu a noite no lugar de "Passeando" e já na primeira música ficou claro que os tempos de histeria coletiva ficaram no passado, quem sabe no futuro, já que o compositor afirmou em entrevista à Rolling Stone brasileira que o retorno dos Hermanos é possível. Ainda há quem cante junto, lógico, mas a música que emana das caixas se impõem. E isso é ótimo. Estabelece-se um canal de comunicação entre Camelo e Hurtmold e o público mais saudável, de troca. Os muitos silêncios das novas composições encontram correspondência na platéia . O acompanhamento do Hurtmold valoriza as texturas e a beleza das composições se cristaliza na harmonia dedilhada na guitarra e na melodia da voz de Camelo.
Esta é uma idéia a ser mais bem desenvolvida, mas o músico que no Los Hermanos ficava sombreado pelo compositor aflora nas composições de "Sou". As letras parecem ter sido criadas a partir das músicas e de suas respectivas melodias. Os arranjos, com seus silêncios e ruídos, têm peso equânime ao dos versos. Então, é ótimo que ao vivo se possa ouvir os detalhes de cada canção, prestando atenção na emissão nebulosa de Camelo mais do que acompanhá-lo cantando verso a verso, como no tempo dos Hermanos.
As músicas mais animadas proporcionam momentos de maior exaltação, também agora de uma forma diferente. "Vida Doce", "Menina Bordada" e principalmente "Copacabana" põem a galera para dançar e assim as energias são divididas entre o movimento do corpo e a potência do gogó. A festa continua, mas agora ao balanço de sentimentos que navegam por águas tranqüilas. Os tempos do turbilhão movido a canções de identificação imediata e ao ventiloqüismo dançante do velho parceiro Amarante encontram-se em recesso.
Acabado o show, a tenda se esvazia. Arnaldo Antunes tocou para o menor público da noite, mas, por incrível que pareça, arrancou os coros mais animados de quem ficou até o fim com músicas "Socorro", "Não Vou Me Adaptar", dos Titãs e "Agora", gravada por Maria Bethânia. Arnaldo conquista o público com a naturalidade de quem já tem anos de estrada, sem a insegurança que ainda transparece em Camelo em sua fase solo e principalmente em Roberta Sá.
A cantora que abriu a noite é dona da melhor voz entre as jovens cantoras brasileiras. Afinada, potente e que já em seu segundo disco, "Que Belo Estranho Dia Para Se Ter Alegria", afasta-se de possíveis comparações com Marisa Monte ou quem quer que seja. Mas se a sua voz já adquiriu personalidade própria, a mesma personalidade ainda lhe falta no palco. Seus movimentos são tímidos, quase forçados. Sua expressão parece ensaiada, exceto quando busca correspondência com seus músicos no palco. Comunicação com o público, praticamente não houve.
Motivos para não se sentir a vontade não havia. Muitos fãs próximos ao palco faziam coro à cantora e um bom público estava ali disposto a conhecê-la. Com um repertório muito bem apanhado entre canções de alguns dos melhores compositores brasileiros da atualidade - Rodrigo Maranhão, Roque Ferreira, Pedro Luís e o próprio Camelo -, Roberta costuma apresentar um belo show. A empolgação, contudo, depende da platéia, mas, por maior que seja, não chega a atingi-la. Ela mantém-se fria e distante.
Não será uma tarefa fácil e rápida quebrar o gelo. Nem mesmo seu estágio no finado programa "Fama", da Globo, a ajudaram. Melhor que não a tenham tranformado em um produto descartável como fez com todos os seus colegas que passaram pela casa e até conseguiram maior evidência na época. Roberta Sá é uma das grandes cantoras brasileiras do século 21. Porém, somente os anos de estrada vão poder tranformá-la em uma intérprete completa.
Saldo final do palco 100% nacional: excluído o do jazz, foi o mais interessante da edição carioca ao lado do Tim no Tim, com Instituto e convidados interpretando Tim Maia Racional. Fica a deixa para o ano que vem: a música brasileira merece ao menos um palco exclusivamente seu e com preços mais baixos. Atrações internacionais a parte.
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