sábado, 17 de outubro de 2009

Thalma de Freitas no futuro do pretérito

Em 2007, Thalma de Freitas se uniu a Paulão 7 Cordas em um duo de voz e violão. Fizeram algumas apresentações baseadas em um repertório de sambas antigos cujo tema em comum era a decepção amorosa. Mais do que um show, era um recital. O violão elegante de Paulão era a base perfeita para a cantora dar vazão a todo o seu potencial como intérprete, como falamos aqui à época. Entusiasmada com o resultado, Thalma chegou a dizer que gravaria um disco naquele formato.

A gravação, porém, acabou nunca se concretizando. Thalma foi advertida por Kassin, seu companheiro na Orquestra Imperial, de que trilhando aquele caminho cairia na vala comum das cantoras-intérpretes devotas do samba. Se ela desejava realmente se afirmar como cantora em um cenário onde elas são abundantes, completou ele, deveria desenvolver um trabalho mais autoral e contemporâneo.

Kassin estava certo, ela concluiu, e daí surgiu o Casio Knights. Munida de um teclado, arriscando algumas programações eletrônicas, Thalma foi preparando um novo repertório com composições próprias e outras de seus pares na cena atual. Apresentou-se no exterior e fez alguns shows no Rio e em São Paulo para mostrá-lo ao público. A banda que a acompanhava era formada por Rubinho Jacobina no teclado, Kassin no baixo, Leo Monteiro na bateria e Gustavo Ruiz na guitarra. Um provável disco que resultasse desta combinação soava promissor. Mas também acabou não sendo gravado.

Janeiro de 2009: no Cinemathèque com Kassin, Rubinho Jacobina, Leo Monteiro e Gustavo Ruiz


Na última sexta-feira Thalma fez um show na sala Sidney Miller, no centro do Rio, com uma banda totalmente reformulada. Tinha Felipe Pinaud na guitarra e na flauta, Marco Tommaso no piano e no Rhodes, Alberto Continentino no baixo, Renato Massa na bateria e participações especiais de Marlon Sette no trombone e Altair Martins no trumpete. Na mesma medida em que Mariana Aydar declara que o samba a persegue, como justificativa para não abandonar uma trilha na qual se sente confortável, pode-se dizer que o samba jazz persegue Thalma de Freitas. A espinha dorsal dos arranjos com essa nova formação se assenta no tripé piano, baixo e bateria, assim como no EP lançado em 2004 pelo selo Cardume.

O show começou estranho na noite de sexta, com uma versão jazzística de "Cordeiro de Nanã" em que Thalma parecia sair do tom propositalmente ao fim de cada verso. A má impressão inicial foi apagada logo em seguida por uma sequência de novas e boas canções. Primeiramente, o bolero "Enquanto a Gente Namora", composto em parceria com João Donato; depois, "Santo Mambo", um número de raízes latinas cantado em portunhol; destacaram-se também "Uma Outra Qualquer Por Aí", canção até então inédita que a dupla Romulo Fróes e Clima fez para ela, e especialmente "Onde o Amor Termina", com letra do escritor angolano José Eduardo Agualusa (no vídeo acima em show no Cinemathèque, em janeiro deste ano). Esta, aliás, com sua poesia circular e sua bela melodia, evoca a melhor canção do EP, "Tranquilo", de autoria do anteriormente citado Kassin, e já se credencia à condição de clássico do futuro trabalho da cantora.

Outubro de 2009: apresenta canção inédita de Romulo Fróes na Sala Funarte

Paradoxalmente, os melhores momentos do show são fruto da tensão anacrônica que se cria entre os arranjos passadistas e as composições recentes, nada reverentes à tradição do samba jazz. O problema é que somente as músicas novas não são suficientes para compor o roteiro de uma apresentação de mais de uma hora. Assim, a parte final do show concentra-se em velhos standards do cancioneiro nacional, como "Dindi", por exemplo e aí o anacronismo constitui-se como algo negativo, pois Thalma se arrisca em canções que já mereceram melhores registros.

Durante o show, Thalma revelou que anda gravando algumas coisas com a banda que agora a acompanha. Ao que ela se referiu como uma demo deve resultar em um futuro álbum, a ser lançado no ano que vem, misturando suas personalidades de intérprete e compositora. As expectativas são as melhores, desde que ela tenha em mente as sábias palavras de Kassin. A participação de Jam da Silva - o mais moderno dos atuais compositores brasileiros - em cinco faixas já gravadas é um forte indício de que o samba jazz não será o limite.

Um comentário:

dnardi disse...

Thalma é, tvz, a grande expectativa da nova MPB. Demorô pra sair um disco dela, mas se, como disse Kassin e tbm Pindzim, o melhor a fazer é se desvincilhaR da mesmice que todas andam fazendo e partir pra autoria. Isso ela tem, de sobra.