Edu Krieger não é uma novidade na cena musical carioca. Ao contrário, é um músico forjado nos palcos da cidade. Lançou seu primeiro disco no ano passado sem grande alarde. Um conjunto de belas canções inoculadas por diversos regionalismos cujo reconhecimento vem se dando de forma gradual e progressiva. Sua "Ciranda do Mundo", gravada por Maria Rita e Pedro Luis e a Parede, escapou à sua autoria e incorporou-se ao domínio público. É uma daquelas canções que se espalham de boca em boca, seja na voz de crianças celebrando as festas juninas ou na interpretação distorcida dos paraíbanos do Cabruêra, sem que se dê crédito ou reconhecimento ao autor. Uma peça musical que transcende à propriedade intelectual pela sensibilidade com que toca os ouvintes a ponto de estes a reproduzirem instintivamente por puro prazer, como se há muito fizesse parte da memória coletiva.
Nesta semana que finda, Edu se apresentou pela primeira vez no palco do Canecão. Quem conhece a mística da casa, sabe que se trata de uma chancela à carreira de um músico brasileiro. Um rito de passagem a um estágio maior de reconhecimento e envergadura. E o público que preencheu grande parte da casa o recebeu com as honras merecidas.
Não foi a primeira vez que assiti a um show de Edu, mas com certeza foi a primeira vez que dediquei total atenção à sua performance musical e à sonoridade da sua banda sobre o palco. O compositor exerce um pleno domínio sobre as tradições da música brasileira, do samba à ciranda, do jongo ao choro canção, alinhavadas por uma poética cuja identidade se constrói no perfeito encaixe entre letra e melodia, uma a serviço da outra, como se elas nascecem juntas, indissociáveis, na imaginação do autor. A boa voz e o domínio vocal do cantor possibilitam com que ele explore as nuances melódicas que cada verso propicia, ora aprofundando certas extensões, ora contido pela melancolia dos acordes menores, outrora explorando os desvios das dissonâncias. O violão de 7 cordas é usado de forma reverente, basicamente como um instrumento ritmíco, vez ou outra arriscando-se na baixaria, traçando a linha mestra das canções sobre a qual todos os outros instrumentos se arranjam.
Mas são justamentes os demais ingredientes que diminuem o sabor do delicioso caldo musical de Edu Krieger. A bateria se impõem como força maior no campo rítmico abafando as sutilezas da percussão, a qual poderia agir subliminarmente sobre a estrutura das canções tirando-lhes o peso e conseqüentemente torando-as mais arejadas, com maior espaço para a harmonia. A guitarra discreta, de seu irmão Fernando Krieger, preenche os espaços deixados pelo violão sem exercer de fato um contraponto. Um segundo violão, dedilhado, seria mais efetivo nesse sentido. Isso porque a flauta transversa de PC Castilho, quando em evidencia, evoca a tradição dos regionais chorando pela companhia de mais um pandeiro, um cavaco e um tamborim. O mesmo vale para Marcelo Caldi, dividido entre o teclado e a sanfona. Quando debruçado sobre as teclas, passa desapercebido. Ao ficar de pé no manejo do fole, ele abre novas possibilidades tanto harmônicas quanto melódicas. Prova disso é o momento em que ele e Edu ficaram sozinhos no palco na interpretação de "A Mais Bonita de Copacabana". O mesmo aconteceu no final do show, quado a banda se retirou e ele recebeu Geraldo Azevedo para uma participação especial e os dois puseram seus violões a dialogar. Juntos, tocaram "Temporais", uma parceria, e a clássica "Moça Bonita". A parte estes momentos, o formato quase pop da maioria dos arranjos contribuiu para a planificação de uma obra cujo alcance tem tudo para se expandir cada vez mais. A bela "Novo Amor" estará no aguardado segundo disco de Roberta Sá, Que belo e estranho dia para se ter alegria. Edu agradeceu à cantora que estava presente na platéia, e exaltou por pelo menos quatro vezes o também presente Rodrigo Maranhão como mais um representante da excelência criativa desta geração que vem definitivamente conquistando o seu espaço.
Assim, me despeço deixando a vocês três momentos de Edu Krieger ao vivo na Tuba do Pindzim:
"Moça Bonita", com Geraldo Azevedo no Canecão. "Novo Amor", com sua banda, no mesmo show do Canecão. E, por fim, "Ciranda do Mundo", em participação no show de Rodrigo Maranhão no Centro Cultural Carioca.
6 comentários:
Definitivamente, palmas para os novos da música do Brasil.
Siga em frente, mantendo nós, leitores de Pindzim, bem informados sobre os rumos da musicalidade tupiniquim.
Salve !
Eu acho que é justamente a ousadia nos arranjos que fazem do Edu Krieger um artista nada óbvio. Ele poderia se acomodar no tradicional formato cavaco, pandeiro e percussão, mas prefere vestir suas (lindas) canções numa roupagem instigante. Parabéns ao Edu e ao blog do Pindzim, por estarem sempre comprometidos com a qualidade!
Bacana a sua impressão sobre o show do edu! Gosto muito dele tb.!
Mas vc chegou a assitir ao show da Anna luisa? Nossa, fiquei encantada!! Muito caprichado!! Grande intérprete, voz segura, potente... Ótima postura. Agrega classe e requinte a uma música popular! Grande sacada!! Fiquei muito tocada com esse show em especial, neste noite do Canecão. Acho que ela merecia um certo destaque tb no seu blog. Visito sempre que posso e sei quanto vc preza pela qualidade na nossa música! e a Anna tem de sobra... Acho que ela ainda vai arrebentar!
Grande abraço,
Luciana
Bacana!! Falou legal do Edu! Merecido. O moço faz um bonito trabalho. Mas escrevo mesmo pra falar da anna. Fui pesquisar sobre ela e caí no seu blog. Aproveito e deixo minha opinião. Se houve um show, no sentido "literal" da palavra neste dia do Canecão, foi Anna Luiza quem fez. Impecável! Sem tirar nem por! Sensação de "casa arrumada" mesmo, sabe?! Banda afiadíssima, voz afinadíssima, energia linda, carisma (levantou a platéia), produção de luz e cenário na medida, participações contagiantes! Enfim, deu o seu recado!! Parabéns!!
Sem tirar o mérito dos outros, claro! Mas queria me colocar em relação a Anna... Como disse amoça aí de cim, tb acho que ela vai arebentar!
Muito obrigado a vcs que deixaram aqui os seus comentários. Até agora, este foi o post mais comentado.
Primeiro, sobre o que disse Jirah: até posso concordar com você que o Edu acerta ao optar por arranjos que não caiam na obviedade dos tradicionais pandeiro, cavaco e tamborim. Porém, acho que a banda pouco acrescenta à riqueza das composições. Acaba por engessa-las em arranjos que pouco variam de música para música. Sinto nas intervenções do PC Castilho na flauta e do Marcelo Caldi na sanfona, um respiro, uma abertura para possibilidades que as músicas proporcionam, mas nem sempre são exploradas.
Sobre a Anna Luisa. Já assisti a vários shows dela e gosto muito do disco. Reconheço que os momentos de maior vibração e entrega do público aconteceram durante o show dela. Não escrevi a respeito, principalmente por falta de tempo, uma vez que no momento estou trabalhando num projeto em que só tenho folga aos domingos. Mas fica a promessa de que a Anna aparecerá aqui no blog em breve, quem sabe com uma entrevista. Certo?
Abraços a todos,
Agô!
A missão do Edu foi dificílima, encerrando uma noite no Canecão depois de dois shows de abertura. E ainda assim conseguiu manter a casa cheia e o público atento, apesar do horário avançado. Eu não conhecia muito o trabalho dele e fiquei impressionado com a qualidade das canções. Merece os meus sinceros parabéns por ter encarado o desafio e passado com sobras por esse teste de fogo! Sem desmerecer os comentários anteriores postados pela torcida organizada da Anna Luisa (que compareceu em peso ao Canecão), concordo que em seu show o público estava mais bem disposto, mas se ela tivesse tocado por último, não sei se encontraria na platéia a mesma "vibração e entrega", como escreveu nosso Pindzim. Privavelmente sim, porque também é uma grande artista e tem um lindo trabalho.
Postar um comentário