quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Jam da Silva recebe Chico Neves em show inédito

Responsável por Dia Santo, um dos grandes discos da música brasileira contemporânea, Jam da Silva tem tido poucas oportunidades de apresentá-lo ao vivo. Até agora, rolaram shows apenas em São Paulo (um), Rio (um) e Recife (dois). Na verdade, o problema não são as oprtunidades, vez ou outra elas aparecem, afirma Jam. Porém, nem sempre a contento. O seu set necessita de uma bateria desmembrada e a banda inclui outros quatro músicos - Marion Lammonier, (teclado e programações) Garnizé (percussão), Gustavo Corsi (guitarra) e Marcio Alencar (baixo), além  de um integrante extramusical, responsável pelas sugestivas e belas projeções visuais que ilustram as músicas. Ou seja, o show tem um apuro de som e imagem que exige determinadas condições técnicas para realizá-lo tal como foi idealizado.

Mesmo assim, nesta quinta-feira, no Rio, Jam aproveita o convite para participar da edição 2009 do projeto Multiplicidade para apresentar um show novo - e possivelmente único - ao lado do coletivo O Estúdio.

Mais do que utilizar o convite para levar Dia Santo novamente ao palco, Jam resolveu criar um espetáculo inédito, no qual terá ao seu lado, além da banda completa, Chico Neves - produtor do álbum, no qual toca instrumentos diversos em quase todas as faixas e ainda é coautor de algumas delas, como "Mania" e "Samba Devagar".



Trocamos algumas ideias durante o processo de criação deste show. Sempre entusiasmado, Jam antecipou um pouco do que será visto amanhã. Em agosto, quando tinha apenas ideias na cabeça e nada definido, contou que o repertório teria apenas cinco músicas de Dia Santo. O resto seriam criações novas, com arranjos baseados no ritmo e em seus inúmeros desdobramentos. "Vou samplear as percussões na hora, então berimbau vai sair com som de teclado, por exemplo", explicou.

Há um mês atrás, com o processo criativo em andamento, algumas das novas composições já estavam moldadas. "É uma criação diferente da do disco, tem uns experimentos, mas vou fazer algumas coisas do Dia Santo, sim, pois só fiz [o show] uma vez aqui e [ele] continua sendo novo também", contou Jam. "Do jeito que você arma pra tocar, com mais ou menos pessoas, fica novo novamente, diferente", completou. Na época, ele já definira a música de abertura da apresentação. Ainda sem título para a nova canção, definiu-a como "tensa e bela".

Definitivamente, será uma ocasião especial para conferir as criações de um dos mais instigantes - e instigados - compositores brasileiros da atualidade. A apresentação acontece às 19h30, no Oi Futuro, que fica na rua Dois de Dezembro, 63 - Flamengo. Os ingressos já estão a venda e custam R$ 15,00.

Juntamente com o novo espetáculo vem à luz o primeiro clipe de Dia Santo. Editado a partir de uma sequência de imagens estáticas e de sobreposições, reproduz com fidelidade o lirismo cândido da canção que dá nome ao disco, parceria de Jam com Isaar. A direção é de Carolina Sá e tem a participação da atriz Hermilla Guedes.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Kassin estreia trabalho pós +2 em Porto Alegre

Criticada por aqui por ser um lugar resistente à penetração dos nomes mais proeminentes da música brasileira atual, Porto Alegre será a primeira cidade a conhecer o novo trabalho de Kassin após o anunciado fim do +2, coletivo do qual o músico fazia parte ao lado de Moreno Veloso e Domenico Lancelotti. Será no dia 5 de novembro, dentro do projeto Unimúsica, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Tendo cumprido o papal de projetar o trabalho autoral de cada um dos seus integrantes, que se revezaram a frente da banda em cada um dos três álbuns lançados - Máquina de Escrever Música (Moreno+2), Sincerely Hot (Domenico+2) e Futurismo (Kassin+2) -, o +2 se despediu do público em grande estilo, após dez anos de estrada, com o primeiro trabalho assinado coletivamente pelo trio: Imã, trilha sonora instrumental para o espetáculo homônimo do Grupo Corpo. Agora, cada um canta e toca em nome próprio. Como Kassin afirmou quando o entrevistamos para o Pelas Tabelas, eles "não queriam mais ficar presos à coisa de ser uma banda, e até essa ideia [do +2], que era bastante aberta, a gente começou a achar ela um pouco limitadora".

Domenico e Kassin estarão juntos em Porto Alegre
Ao contrário da maioria das bandas, a dissolução do +2 não significa que os seus integrantes não possam mais tocar juntos. A banda formada por Kassin para o show de Porto Alegre conta com formação muito semelhante àquela com que o +2 vinha se apresentando ao vivo desde o lançamento de Futurismo. Kassin canta e toca guitarra, Domenico é o baterista e Alberto Continentino, o baixista. A única diferença é que no lugar de Moreno, que tocava violão e cello, entra Donatinho, no teclado. Os primeiros ensaios acontecem esta semana, no Rio de Janeiro. Músicas de Futurismo estarão no repertório, o resto é novidade.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Entrevista às avessas com Thalma de Freitas

Um dia depois de publicar a postagem logo aqui abaixo, fui surpreendido por um email bastante carinhoso da própria Thalma de Freitas comentando os textos que escrevi sobre ela aqui no blog. Começava dizendo, "tenho uma uma canção inacabada que se chama  "Futuro do Pretérito", hehehe, sempre vejo coinscidências como algo auspicioso". O título da postagem era Thalma de Freitas no futuro do pretérito.

Em seguida, esclareceu e completou algumas informações colocadas no texto a respeito do momento atual da sua carreira como cantora e compositora e de seus planos para o futuro. "A saber, meus outros projetos musicais não foram engavetados, tanto Casio Knights quanto o Voz e 7Cordas deverão ser gravados na sequência deste A Filha do Maestro", explicou. "Não faço idéia de como ou quando esses albuns serão lançados, minha relação com música continua sendo independente e livre."  

Na continuação do email, Thalma questionou algumas das minhas colocações sobre a apresentação na Sala Funarte. Foi interessante, pois permitiu-me fazer uma releitura crítica a respeito daquilo que escrevi na manhã seguinte ao show. Por exemplo, notei o quão injusto e fora de propósito fora compará-la com Mariana Aydar em suas relações com o samba (Mariana) e o samba jazz (Thalma). "A propósito, o samba jazz não me persegue, ele é a minha praia", afirmou a filha do maestro Laércio de Freitas, nome fundamental para a conformação do gênero. Thalma cresceu neste ambiente e o próprio EP, que ela considera de fato a sua estreia fonográfica, tinha seus arranjos construídos da combinação de voz, piano, baixo e bateria. Reafirmando essa ligação, ela citou a canção instrumental "JT", que compôs em homenagem ao falecido J.T. Meirelles e foi apresentada na Sala Funarte.

Pediu também que eu fosse mais claro a respeito da seguinte colocação: "Paradoxalmente, os melhores momentos do show são fruto da tensão anacrônica que se cria entre os arranjos passadistas e as composições recentes, nada reverentes à tradição do samba jazz". Ao respondê-la, tentei ser mais claro e coloquei da seguinte forma: "o paradoxo, ao meu ver, é o seguinte: você pega canções novas, recentes, como as de sua autoria e a do Romulo [Fróes], por exemplo, e as arranja com piano, baixo e bateria, mas não se trata de  uma renovação do samba jazz. Já não é mais algo facilmente rotulável, é uma coisa diferente", expliquei. "Do anacronismo entre o samba jazz e estas músicas novíssimas, desvinculadas de quaisquer tradições, surge o futuro do pretérito ou o pretérito do futuro, quando duas pontas aparentemente distantes se aproximam pra criar uma coisa diferente".

Thalma justificou também a inclusão de músicas antigas no roteiro do show, opção que mereceu críticas da minha parte. "Não tem problema nenhum não ter canção inéditas o suficiente pra preencher uma hora e vinte de show, ainda mais no caso de uma compositora em início de carreira, que declaradamente está no meio de um processo artístico. E eu avisei na hora que "Dindi" não estava no roteiro, a gente só tocou porque o show estava acabando e eu estava adorando aquele palco, queria ficar mais um pouco...é óbvio que eu não vou grava-la, mas posso cantar quando quiser, né?! O único risco que corro é de ser mal compreendida, mas isso não é grave", ela escreveu.

Realmente, não é grave, mas neste ponto discordei, embora tenha sido um pouco rigoroso, pois além de "Dindi", houve uma boa versão de "É Mentira, Oi", de Ary Barroso. "Não tenho nada contra haver músicas antigas no show. Mas, sinceramente, acho que esses super-clássicos, quando interpretados e arranjados de forma semelhante às gravações originais, agradam àquela parcela do público mais conservadora (a maioria, talvez), mas pouco acrescentam ao artista. Por outro lado, "Batuque", do Bebeto Castilho, que vc cantava no show do EP, é sensacional, por ser uma pérola que vc desencavou do baú. Eu mesmo não conhecia antes de ouvi-la na sua voz", retruquei.

Antes de se despedir, Thalma ainda explicou a estranha interpretação de "Cordeiro de Nanã". "Ficou péssimo mesmo, eu tava tomando uma surra daquele in-ear, desconcentrei, foi mal, desculpe!" Não tem nada que se desculpar, Thalma, eu é que tenho que agradecer a atenção dispensada. Estes canais alternativos servem pra isso mesmo, desenvolver reflexões acerca deste momento especial pelo qual atravessa a música brasileira. Melhor ainda quando o artista se dispõem ao diálogo franco e aberto. A propósito, a postagem original e a íntegra dos emails trocados entre nós está em A Filha do Maestro, o blog da Thalma.

sábado, 17 de outubro de 2009

Thalma de Freitas no futuro do pretérito

Em 2007, Thalma de Freitas se uniu a Paulão 7 Cordas em um duo de voz e violão. Fizeram algumas apresentações baseadas em um repertório de sambas antigos cujo tema em comum era a decepção amorosa. Mais do que um show, era um recital. O violão elegante de Paulão era a base perfeita para a cantora dar vazão a todo o seu potencial como intérprete, como falamos aqui à época. Entusiasmada com o resultado, Thalma chegou a dizer que gravaria um disco naquele formato.

A gravação, porém, acabou nunca se concretizando. Thalma foi advertida por Kassin, seu companheiro na Orquestra Imperial, de que trilhando aquele caminho cairia na vala comum das cantoras-intérpretes devotas do samba. Se ela desejava realmente se afirmar como cantora em um cenário onde elas são abundantes, completou ele, deveria desenvolver um trabalho mais autoral e contemporâneo.

Kassin estava certo, ela concluiu, e daí surgiu o Casio Knights. Munida de um teclado, arriscando algumas programações eletrônicas, Thalma foi preparando um novo repertório com composições próprias e outras de seus pares na cena atual. Apresentou-se no exterior e fez alguns shows no Rio e em São Paulo para mostrá-lo ao público. A banda que a acompanhava era formada por Rubinho Jacobina no teclado, Kassin no baixo, Leo Monteiro na bateria e Gustavo Ruiz na guitarra. Um provável disco que resultasse desta combinação soava promissor. Mas também acabou não sendo gravado.

Janeiro de 2009: no Cinemathèque com Kassin, Rubinho Jacobina, Leo Monteiro e Gustavo Ruiz


Na última sexta-feira Thalma fez um show na sala Sidney Miller, no centro do Rio, com uma banda totalmente reformulada. Tinha Felipe Pinaud na guitarra e na flauta, Marco Tommaso no piano e no Rhodes, Alberto Continentino no baixo, Renato Massa na bateria e participações especiais de Marlon Sette no trombone e Altair Martins no trumpete. Na mesma medida em que Mariana Aydar declara que o samba a persegue, como justificativa para não abandonar uma trilha na qual se sente confortável, pode-se dizer que o samba jazz persegue Thalma de Freitas. A espinha dorsal dos arranjos com essa nova formação se assenta no tripé piano, baixo e bateria, assim como no EP lançado em 2004 pelo selo Cardume.

O show começou estranho na noite de sexta, com uma versão jazzística de "Cordeiro de Nanã" em que Thalma parecia sair do tom propositalmente ao fim de cada verso. A má impressão inicial foi apagada logo em seguida por uma sequência de novas e boas canções. Primeiramente, o bolero "Enquanto a Gente Namora", composto em parceria com João Donato; depois, "Santo Mambo", um número de raízes latinas cantado em portunhol; destacaram-se também "Uma Outra Qualquer Por Aí", canção até então inédita que a dupla Romulo Fróes e Clima fez para ela, e especialmente "Onde o Amor Termina", com letra do escritor angolano José Eduardo Agualusa (no vídeo acima em show no Cinemathèque, em janeiro deste ano). Esta, aliás, com sua poesia circular e sua bela melodia, evoca a melhor canção do EP, "Tranquilo", de autoria do anteriormente citado Kassin, e já se credencia à condição de clássico do futuro trabalho da cantora.

Outubro de 2009: apresenta canção inédita de Romulo Fróes na Sala Funarte

Paradoxalmente, os melhores momentos do show são fruto da tensão anacrônica que se cria entre os arranjos passadistas e as composições recentes, nada reverentes à tradição do samba jazz. O problema é que somente as músicas novas não são suficientes para compor o roteiro de uma apresentação de mais de uma hora. Assim, a parte final do show concentra-se em velhos standards do cancioneiro nacional, como "Dindi", por exemplo e aí o anacronismo constitui-se como algo negativo, pois Thalma se arrisca em canções que já mereceram melhores registros.

Durante o show, Thalma revelou que anda gravando algumas coisas com a banda que agora a acompanha. Ao que ela se referiu como uma demo deve resultar em um futuro álbum, a ser lançado no ano que vem, misturando suas personalidades de intérprete e compositora. As expectativas são as melhores, desde que ela tenha em mente as sábias palavras de Kassin. A participação de Jam da Silva - o mais moderno dos atuais compositores brasileiros - em cinco faixas já gravadas é um forte indício de que o samba jazz não será o limite.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Lucas Santtana apresenta Sem Nostalgia no Rio em dezembro

A aguardada primeira apresentação de Lucas Santtana com o show Sem Nostalgia no Rio está confirmada. Será no dia 1º de dezembro, dentro da programação do agora Vale Open Air, evento que mistura festas, música e cinema no Jockey Club da gávea . Se o disco é um dos melhores do ano, o show também promete (a julgar pelo que já se pode ver no Youtube). A transposição do formato voz, violão, sinfonia de insetos, mashups e efeitos para o palco, com banda completa - e que banda -, transfigurou o belo repertório do disco. As mesmas músicas soam como se fossem outras, reciclando o prazer da descoberta que se tem ao ouvir as gravações de estúdio, e ainda são sensorialmente potencializadas pelas luzes psicodélicas de Moisés Vasconcelos, como pode ser visto na foto abaixo, de Ana Muniz.



Fica-se, agora, na boa expectativa pela divulgação dos outros convidados. As escalações do Open Air costumam reservar boas novidades da cena contemporânea que não costumam subir aos palcos da cidade com frequência.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Vagarosa ao vivo: os variados tons de Céu

Atualizada em 20 de outubro.

Hoje na noite chuvosa do Rio de Janeiro:

Obs: leia sobre este show no último parágrafo deste texto


Há discos cuja sonoridade não pode ser reproduzida ao vivo. Limitações que poderiam representar uma perda significam renovação. Era o caso do disco de estreia de Céu. Ganhava em densidade em proporção idêntica ao que perdia em delicadeza e se transformava em outro, como à época falamos por aqui. O DJ Marco era o elemento catalisador da banda, fazendo as funções de multi-instrumentista, soltando os vocais de apoio, os metais, além dos scratches.

Vagarosa, o disco, é diferente. Como Céu mesmo afirmou em várias entrevistas, ela buscou uma sonoridade mais orgânica e elétrica, com menos beats eletrônicos e instrumentos acústicos. Na transposição para o palco as músicas novas estão mais próximas das versões de estúdio, mesmo que a banda tenha perdido um integrante. O antes percussionista Bruno Buarque assumiu a bateria no lugar de Serginho Machado, transferindo ao DJ Marco a responsabilidade por fazer os contrapontos ritmícos que anteriormente lhe cabiam. Guilherme Ribeiro agora reveza-se entre o seu teclado usual, a guitarra e o acordeon, por vezes trocando-os durante a execução de uma mesma música. Lucas Martins não larga o baixo.

A intensidade dos arranjos continua a mesma, embora as poucas canções do primeiro disco incluídas no repertório do show tenham ganhado nova roupagem. Destacadamente "10 Contados", agora com a base harmônica lindamente levada no acordeon, realçando ao vivo a delicadeza registrada em estúdio.

Mais de oito shows assistidos na esteira do lançamento de CéU, Pindzim conferiu até agora dois espetáculos da turnê atual: a estreia, no dia 27 de agosto, no Bar Opinião, em Porto Alegre, e a segunda de três noites no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo, no último sábado, 4 de outubro. Entre um e outro, bateu a saudade. Vagarosa(s), show e disco, são o que de melhor apresentou a música brasileira neste ano, o que não é pouco, considerando-se os grandes discos já lançados e aqueles ainda por sair.  Futuramente 2009 será lembrado tal qual 1959 (marco inaugural da bossa nova) ou o biênio 1967/1968 (consolidação e glória de uma nova geração formada por Chico, Gil, Caetano, Gal, Mutantes, Paulinho da Viola, etc), mas isso é outro assunto.

Vagarosa Tour
Um vídeo promocional da Natura, patrocinadora da turnê, com belas imagens e pouco conteúdo, em que Céu divaga sobre a sua música, anuncia que o show está para começar. Enquanto os músicos se posicionam, o DJ solta a vinheta de abertura - "Sobre o Amor e seu Trabalho Silencioso". A cidade e a casa onde acontece a apresentação dão o tom do que se verá a seguir.

Em Porto Alegre, mesmo sem a guitarra de Fernando Catatau, os primeiros compassos de "Espaçonave" causam estardalhaço preparando a cena para a entrada de Céu. Pisando macio, discreta sob a penumbra, ela toma a cena e sorri. Já iluminada, no centro do palco, deixa-se balançar ao ritmo da música, canta os primeiros versos e assume o comando da nave mãe com a qual nos conduzirá pela próxima hora e meia de viagem na mais alta classe sonora.

Céu está cada vez mais a vontade no palco. Se antes parecia utilizar a dança como um refúgio nas passagens instrumentais, agora os movimentos do corpo acompanham os versos, se expandem e se retraem instintivamente, sem muita racionalização. Só no meio da primeira música, ela faz uma rápida saudação ao público gaúcho. Acabado o primeiro número, sorri e, antecipando-se à banda, que se apressa a segui-la, emenda: "A comadi é ponta de lança". Algumas vozes na plateia a acompanham como se fosse um clássico, que, se ainda não se pode dizer que já é, certamente um dia será. Domínio público, festa de rua. Na boca da cena, os mais animados caem na dança.

Em Porto Alegre, Céu dedica "Cangote" a Gigante Brazil, que tocou a bateria no disco

Em São Paulo, o Auditório do Ibirapuera confere um ar solene ao espetáculo. Comportadamente sentados na sala lotada, todos estão ali para vê-la e ouvi-la com atenção. Cria-se uma distância entre os músicos e o público e, mesmo em casa, Céu começa o show menos confortável do que na estranha Porto Alegre, nem sempre receptivas aos músicos e bandas que trabalham reprocessando e subvertendo as tradições da música brasileira.

Já na largada, "Espaçonave" e "Comadi" ganham o reforço de Pupillo e de Fernando Catatau. O primeiro, baterista da Nação Zumbi, além de exímio musicista do ritmo, é um dos grandes produtores em atividade na borbulhante cena atual; o segundo, cabeção central do Cidadão Instigado, é um compositor de peças conceituais que fazem jus à melhor tradição pop das operas-rock do Pink Floyd e do The Who, e ainda por cima um dos dois guitarristas mais originais da cena, posto que divide com Lucio Maia.

Está certo que ambos fizeram parte da banda de Otto, ou seja, não é tão incomum vê-los juntos no palco. Mas é diferente. Não estão ali pela fanfarra. É uma cantora quem está a frente da banda, uma daquelas que é injustamente associada à incontível proliferação de cantoras ao mesmo tempo festejadas e criticadas, dependendo do gosto do freguês, apesar dos detalhes cosméticos de perfume, cabelo, caras e bocas que (não) as diferenciam uma das outras. Está claro que Céu não precisa deles no palco para além da celebração de estarem reunidos para tocar aquelas músicas juntos. Músicas sobre as quais anteriormente eles trabalharam juntos em estúdio para dar-lhes a forma final. Ela se sai muito bem somente com os usuais companheiros de banda.

Quando anuncia a participação dos dois, ambos já saíram do palco e nesse momento deixa transparecer um certo nervosismo inexistente durante a execução das músicas. É o primeiro momento em que se dirige aos presentes e a comunicação com o público não é algo que Céu encara com naturalidade. O lance dela é cantar e fazer um som: na sequência emenda "Lenda" e "Malemolência". Depois de cantá-las, as dedica ao parceiro Alec Haiat, presente no recinto, e os últimos fiapos de tensão se dissipam.



"Grains de Beaute" segue o roteiro impresso no programa, tal qual em Porto Alegre, porém, quando logo em seguida Céu conta que foi surpreendida por um telefonema de Siba presenteando-a com uma letra para o  novo álbum, "Nascente" é a segunda pista de que aqueles três shos do Ibirapuera são, na verdade, uma mini-temporada especial. Rasgue-se o programa. No Auditório do Ibirapuera, Céu, banda e convidados tocaram todas as músicas de Vagarosa.

Com letra de Siba, "Nascente" foi incluída no roteiro do show a partir do Ibirapuera


"Vira Lata" não contou com o contraponto grave da voz de Luiz Melodia e ela lamentou a ausência. Por outro lado, como no disco, teve a graça do cavaquinho de Rodrigo Campos, anunciado como o compositor de um dos melhores discos de 2009 - São Mateus não é um Lugar Tão Longe Assim. Assino embaixo. Rodrigo assume o pandeiro em "Visgo de Jaca" e enquanto a banda estende a parte instrumental no final da canção, Céu deixa o palco para trocar de roupa e voltar com Anelis Assumpção, Catatau e Pupillo na "Bubuia". No sábado, Thalma de Freitas não apareceu, ao contrário de sexta e de domingo. O trecho que ela canta ficou de fora. Reverência bonita à terceira coautora da canção, pouco notada diante da sintonia entre a dupla presente.

Logo na estreia, em Porto Alegre, ficou evidente que Céu está muito a vontade com o repertório de Vagarosa e isso tem reflexo naquilo que é o mais importante para uma cantora: a voz. Está mais segura, límpida e potente. No palco, Céu continua se mostrando mais compositora que intérprete, focada no som, sem grandes salamaleques para com a platéia, mas em "Cordão da Insônia" e "Two to Tango" chega a ser performática. Esta última, pinçada de um disco que reuniu Ray Charles e Betty Carter, reafirma sua sensibilidade para escolher músicas alheias para o seu repertório.

Com um vocal no melhor estilo Motown sobre uma base de ska e uma breve citação ao tango do título da canção, Céu reafirma que mesmo quando assume o papel de intérprete não deixa de lado sua veia autoral. Suas versões para músicas alheias as transportam para o seu domínio particular de renovação inovadora. Fato raro no panorama da música brasileira, mais ainda quando ela transgride sobre patrimonios do samba ("Visgo de Jaca") e do reggae ("Concrete Jungle"), gêneros sobre os quais os puristas costumam renegar aquilo que não se enquadra fielmente à tradição.

Antes de ir embora, no Ibirapuera, ela chama todos os convidados especiais ao palco para uma versão estendida e festiva de "Rainha". Cumpridos os rituais de agradecimento e despedida, fica a expectativa pelo bis. Porto Alegre teve "Bobagem" e a repetição de "Comadi". Em São Paulo, a volta com Pupillo e Catatau não chega a ser uma pista, mas o instrumental etéreo que sai das caixas entrega: para o derradeiro final Céu guardou "Rosa, Menina Rosa" e aí dispensam-se palavras. Fiquem com as imagens e o som:



Menos de uma semana depois, Céu veio tocar no Rio. Era uma sexta-feira chuvosa, véspera de um fim de semana estendido pelo feriado de 12 de outubro. Realizou um desejo antigo: o de subir no palco do Circo Voador. A celebração festiva que se seguiu à sua entrada em cena, da primeira à última música, mostrou que ela estava certa em sua intuição. E o Rio de Janeiro, indiferente à decadência cultural a que atravessa - ainda mais agora, com a elevação da autoestima proporcionada pelo triunfo olímpico - mostrou que nem toda sensibilidade carioca está perdida. Se ainda faltava uma apresentação apoteótica para confirmar aquilo que é óbvio (Céu: a melhor cantora do Brasil), depois do 9 de outubro no Circo Voador não falta mais. O show no Rio de Janeiro foi a consagração definitiva, a lona mambembe em frente aos seculares arcos da Lapa tem uma nova dona. Céu, quando quiser é só chegar, a casa é sua.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Finalmente deve sair o disco de estreia do Manacá

Trata-se de um dos casos mais estranhos e nebulosos do pop nacional o atraso no lançamento do disco de estreia da banda carioca Manacá. Gravado no final de 2007, quando a banda fazia parte do casting da Na Moral (do mesmo empresário que cuida das carreiras de Pitty e Marcelo D2), deveria ter saído em março de 2008, pela EMI, logo depois da participação da banda no Humaitá pra Peixe. Não saiu e aparentemente foi engavetado.

Boatos dão conta de que houve um desentendimento entre a banda e o empresário, que resultou no rompimento entre as duas partes, e, como retaliação, o segundo intercedera junto à gravadora para que o disco não fosse lançado e o contrato, invalidado. Os integrantes do Manacá jamais se manifestaram a respeito e o que há de verdade nesta história nunca foi esclarecido. Parece que em determinado momento, a própria banda passou a duvidar do lançamento e todas as músicas do disco foram disponibilizadas para audição no Myspace.

Nesse interim, a vocalista Letícia Persiles foi escalada para o papel de Capitu na minissérie global homônima baseada no clássico Dom Casmurro, de Machado de Assis. Músicas do Manacá foram incluídas na trilha sonora e surgiram especulações de que o disco seria lançado na esteira da série, para capitalizar em cima da exposição de Leticia. Não aconteceu e a própria passou a ser identificada antes como atriz do que como cantora pela mídia.

Passado quase um ano da exibição de Capitu e quase dois de sua gravação do disco, finalmente o disco vai sair. É o que indica o vídeo abaixo, produzido pela gravadora. A história renderia mais um estudo de caso sobre as razões do declínio das grandes gravadoras. Porém, a grande prejudicada acabou sendo a banda, que neste período apresentou-se poucas vezes ao vivo e frustrou os fãs numa espera vã, veja bem, pelo produto físico (o condenado CD). Agora, a banda, até então refém da gravadora, recebe os parcos benefícios que a indústria ainda é capaz de oferecer: um pequeno investimento em divulgação, materializado nesta peça audiovisual.



Que venha o disco e que a banda saia das sombras. O Manacá é uma banda necessária ao atual cenário do rock nacional, tomado por emos vitaminados pelo que resta da grana de uma indústria em extinção e do esquema desgastado de premiações de credibilidade duvidosa promovidos pelos beneficiários diretos de um sistema que teima em fingir que se sustenta quando na verdade tornou-se totalmente supérfluo para aqueles que se interessam pela boa música.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Pelas Tabelas Curumin e Romulo Fróes no Youtube

Aos poucos o Pelas Tabelas vai se fazendo presente na rede. Agora é a vez do programa que reuniu Curumin e Romulo Fróes e contou com a participação especial de Nuno Ramos e Clima, parceiros de composição do Romulo. Para aqueles que perderam a oportunidade de vê-los na televisão, terão outra chance. Fonte do Canal Brasil me garantiu que a série completa será reprisada ainda este ano. Assim que souber as datas, aviso aqui.

Pelas Tabelas Curumin e Romulo Fróes - Parte 1


Pelas Tabelas Curumin e Romulo Fróes - Parte 2


Pelas Tabelas Curumin e Romulo Fróes - Parte 3