Violas de Bronze é um dos grandes discos brasileiros da excelente safra 2009. Porém, guarda uma grande diferença de todos os outros lançamentos (podem ser citados também os novos de Otto, Cidadão Instigado, Céu, Lucas Santtana, +2 e a lista continua). Siba e Roberto Corrêa criaram um clássico atemporal. O arcaísmo dos arranjos baseados nas possíveis combinações de rabeca e das violas caipira, nordestina e de cocho chocam-se com as atualíssimas sacadas poéticas de Siba, atualizando a tradição dos cantadores nordestinos, o estilo virtuoso de pontilhar a viola de Roberto e as mais modernas técnicas de gravação e mixagem utilizadas durante as breves sessões de estúdio que deram forma às canções.
Veio à luz agora, mas poderia ter sido antes, em um passado imensurável, quanto depois, em um futuro próximo. Trata-se de um projeto paralelo às carreiras de ambos os envolvidos que foi viabilizado quando a conciliação das agendas permitiu. Por esse mesmo motivo, shows são pouco frequentes, mas nos próximos dias Siba e Roberto tocam em Goiânia e em São Paulo.
Hoje, se apresentam na 15ª edição do Goiânia Noise Festival, que como o próprio nome sugere trata-se de um evento cujo foco principal é o rock e todo o barulho inerente ao gênero. Na sexta, ocuparão o palco do Auditório do Ibirapuera, local onde som e silêncio convivem em perfeita harmonia. Não há som sem o silêncio e no Ibirapuera, com sua acústica impecável, é possível ouvi-los ao mesmo tempo, um preenchendo o espaço do outro, sem conflitos, suas respectivas oscilações determinadas pelo ritmo das músicas. Todas as variáveis que tornam um espaço o exato oposto do outro dão a dimensão da universalidade de Violas de Bronze, reflexo das origens e trajetórias bastantes diferentes de Siba e Roberto Corrêa.
O pernambucano Siba partiu de um interesse adolescente pelo rock para formar o Mestre Ambrósio, banda pioneira na fusão de ritmos regionais nordestinos com a eletricidade e a urgência da música pop. Paralelamente, mergulhou de cabeça na Mata Norte a partir da descoberta do maracatu de baque solto, dedicou-se às suas práticas no convívio com os mestres da poesia oral e dos desafios até tornar-se ele próprio um mestre e junto com músicos locais formar a Fuloresta, banda que transpõe ao palco em uma linguagem própria uma versão condensada dos rituais tradicionais.
O pernambucano Siba partiu de um interesse adolescente pelo rock para formar o Mestre Ambrósio, banda pioneira na fusão de ritmos regionais nordestinos com a eletricidade e a urgência da música pop. Paralelamente, mergulhou de cabeça na Mata Norte a partir da descoberta do maracatu de baque solto, dedicou-se às suas práticas no convívio com os mestres da poesia oral e dos desafios até tornar-se ele próprio um mestre e junto com músicos locais formar a Fuloresta, banda que transpõe ao palco em uma linguagem própria uma versão condensada dos rituais tradicionais.
Nascido no extremo oeste de Minas Gerais, próximo a fronteira com Goiás, Roberto aprendeu a tocar violão em Campina Verde, sua cidade natal, até chegar em Brasília para cursar a faculdade e poder se dedicar ao violão clássico. Logo descobriu a viola e a adotou como instrumento e objeto de estudo. Escreveu o primeiro livro dedicado ao método da viola caipira em 1983. Sua obra autoral mistura o popular e o erudito em composições altamente originais. Além de músico, é pesquisador e professor.
No momento em que fazem música juntos, todas as fronteiras, sejam elas culturais, comportamentais ou imaginárias, se diluem. "Eu acho que as fronteiras estão menos rígidas atualmente, o que é regional, pop, moderno, tradicional. A gente acaba se beneficiando de um processo de quebra da rigidez entre essas fronteiras para o qual a gente também colaborou desde a década de 90. O meu trabalho vem sendo inserido nesse meio, entre as fronteiras, quebrando um pouco com cada lado. Acaba que o que possibilita a gente de estar num festival como o Goiânia Noise, que até pouco tempo era muita mais restrito, é justamente esse contexto mais abrangente. Isso é de certa forma uma colheita do que a gente trabalhou a vida inteira", afirma Siba.
"O rock é você fazer o novo, o inovador, isso é a essência do rock, é uma linguagem nova, uma linguagem livre. De certa forma, eu faço isso com o meu trabalho, o Siba faz com o dele. Nós somos criadores modernos e não estamos presos a nenhum tipo de raiz, nenhum tipo de coisa. A gente quer fazer o novo, o contemporâneo", completa Roberto ainda falando sobre a expectativa de tocar em um festival no qual à primeira vista o trabalho da dupla não se enquadra.
Nesse sentido, segundo Roberto, Violas de Bronze teria em sua essência o espírito do rock e deve ser bem recebido em Goiânia, assim como tem sido no resto do país. "A nossa grande conquista ao unir o meu trabalho com o do Siba foi fazer uma coisa diferente. Propor uma linguagem nova foi uma coisa que a gente encarou sem saber o que ia acontecer do outro lado. A gente quer dizer algo com a nossa música e a gente acha que isso aconteceu nesse trabalho", afirma.
No disco, Roberto alterna-se entre a viola caipira e a viola de cocho. Além da rabeca, Siba toca viola nordestina. Embora a tenha utilizado em poucas músicas do Mestre Ambrósio, a reaproximação de Siba com os instrumentos de cordas foi impulsionada pelo projeto. "Essa virada pra viola, pra tentar me aproximar e me tornar mais íntimo dela, tem muito a ver com a intenção de fazer esse disco, de trabalhar com Roberto. Tem muito da minha convivência com ele, do tanto que eu aprendi com ele sobre as formas de me relacionar com o instrumento, mas é um processo também muito recente essa identificação e marca pra mim um retorno, uma virada que eu já vinha tentando fazer há muito tempo, que era realmente focar um pouco mais nas cordas", afirma Siba, que também tocava guitarra nos tempos de Mestre Ambrósio. A partir do trabalho com a Fuloresta, ele praticamente abandonou os instrumentos de cordas, fosse no palco ou em estúdio.
Embora a rabeca e a viola tenham uma origem européia em comum e estejam juntas em manifestações populares brasileiras como a Folia de Reis, por exemplo, combinações como viola nordestina e viola de cocho, rabeca e viola de cocho, e viola caipira e viola nordestina são inéditas. O resultado estabelece uma ligação, e mais, uma fusão, entre duas tradições da cultura popular brasileira que normalmente não se comunicam entre si.
"Com certeza, eu acho que é um disco que dialoga muito com a tradição de viola do sudeste, do centro-oeste, está mais obviamente ligado a essa tradição por conta do peso do trabalho do Roberto. Mas ele se comunica também com o mundo da cantoria nordestina, da viola do nordeste, que é um mundo, e esse eu conheço, tradicionalmente mais fechado em si", afirma Siba, lamentando que, apesar da boa repercussão que o disco obteve na mídia impressa, dificilmente poderá contribuir para uma aproximação entre ambos os universos. "É um preço que se paga pela pouca democracia que a gente tem nos meios de comunicação. Quer dizer, a gente não tem espaço em rádio, não tem meios que promovam a produção independente do Brasil como um todo, de uma maneira mais igual, mais equilibrada, então acaba que trabalhos como esse, que poderiam dialogar de uma forma rica com vários mundos de música tradicional do país, demoram a chegar nesses lugares". Por vezes nem sequer chegam.
Justamente por aproximar dois universos distantes, não se trata de um disco fácil, daqueles que conquista o ouvinte logo à primeira audição. Violas de Bronze conduz o público a um território desconhecido, uma região imaginária. Estranho é o adjetivo que Siba costuma usar para defini-lo. "O público tem recebido o disco com a surpresa de quanto esse disco é diferente tanto para mim quanto para o Roberto. Mas, ao mesmo tempo em que as pessoas reconhecem aquilo que de alguma forma elas gostavam de ver no trabalho de cada um, o público do Roberto me descobre e o meu público descobre o Roberto também", diz Siba.
Violas de Bronze é o resultado de um convívio musical que vinha sendo frequente nos últimos três anos. Vem daí a intimidade e a dinâmica que Siba e Roberto mostram no palco, a ponto de dispensarem ensaios. "Como é somente uma dupla, acaba que a gente vai criando caminhos de comunicação que não dependem do formato do disco. A gente demora um pouco pra se ver, mas quando se vê já tem um jeito de processar a coisa no palco" explica Siba.
O show é estruturado a partir das canções do disco, mas, uma vez no palco, a intenção não é reproduzi-las fielmente. "As músicas ao vivo não estão exatamente como no disco, sempre tem um errinho que vira acerto, sempre tem um improviso qualquer na hora", revela Siba. Completam o repertório uma ou outra canção dos repertórios particulares de cada um, como "Vale do Jucá" e "Siriema" (no vídeo abaixo).
Como se trata de um trabalho recente cujas apresentações são programadas entre os intervalos de seus compromissos prioritários, Siba e Roberto fazem de cada encontro uma celebração musical. "A gente definitivamente não está cansado disso, ao contrário, cada música que a gente faz no show é uma experiência nova, como se a gente entrasse pela primeira vez naquele universo. A gente sabe exatamente o que fazer, mas em cada música pode acontecer qualquer coisa", finaliza Roberto.
Goiânia Noise Festival - Palco Centro Cultural Goiânia Ouro
Endereço: Rua 03, esquina com Rua 09, nº 1016, Galeria Ouro, Centro
Dia: Quinta, 26 de Novembro de 2009
Horários: 22h
Duração: 90 min (aproximadamente)
Ingressos: Grátis (retirada de ingresso duas horas antes no local)
Classificação Indicativa: ?
Auditório do Ibirapuera
Endereço: Parque do Ibirapuera, entrada pela rua Pedro Álvares Cabral
Dia: Sexta, 27 de Novembro de 2009
Horários: 21h
Duração: 90 min (aproximadamente)
Ingressos: R$ 30,00 e R$ 15,00 (meia-entrada)
Classificação Indicativa: Livre para todos os públicos
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