Quando eu vim de Minas
Consagrada em palcos mineiros, Clara Nunes resolveu trocar Belo Horizonte pelo Rio de Janeiro em 1965. Tratava-se de um passo necessário para quem almejava seguir a carreira musical. Contou com a ajuda do namorado Aurino Araujo que a hospedou em seu apartamento em Copacabana, no número 41 da rua Francisco Otaviano, onde já estavam instalados o cantor ligado à Jovem Guarda, Eduardo Araujo, irmão de Aurino, e o playboy Carlos Imperial, figura conhecida no meio artístico.
O terceiro lugar no concurso "A Voz de Ouro ABC" havia dado alguma projeção nacional a Clara. Isto aliado à força de alguns amigos fez com que Clara fosse encaminhada à Odeon, onde a diretora do departamento de divulgação da empresa, Alayde Araujo, a recebeu. Com o aval de Alayde, o diretor artístico da gravadora, Milton Miranda, resolveu apostar em sua conterrânea. Em 21 de julho de 1965, não muito tempo depois de ter chegado ao Rio, Clara entrou em estúdio para gravar "Amor quando é amor", de Othon Russo e Niquinho, canção lançada em um compacto simples e que posteriormente seria a primeira faixa do lado A do LP de estréia da cantora - A Voz Adorável de Clara Nunes -, cujo repertório era baseado em canções românticas com orquestrações grandiosas, estilo já há época um tanto fora de moda. Foi um fracasso absoluto, tendo somado apenas 3.100 cópias vendidas.
O número abaixo está presente no filme Os Reis do Iê-iê-iê, que marcou a estréia da dupla Renato Aragão e Dedé Santana no cinema.
É curioso que a cena reproduza o ambiente de um festival da canção em que Clara fica com o segundo lugar. Os festivais eram os grandes eventos musicais da época e serviram de palco para consagração dos artistas que acabariam entrando para a história da música brasileira. Não foi o caso de Clara. Poucos compositores acreditavam na mineira e menos ainda foram os que confiaram suas músicas para que ela as defendesse. Apresentando canções de compositores menores, Clara Nunes não obteve destaque durante a era do festivais. Invariavelmente, as músicas que interpretava não ficavam entre as primeiras colocadas. Pior, raramente chegavam às finais. "Sou filho de rei", de João Mello e Fernando Lobo, foi uma das raras canções com a qual ela alcançou a final, embora não tenha ficado nem entre as cinco primeiras colocadas. Foi em 1969, no V Festival da Música Popular Brasileira, em que "Sinal Fechado", de Paulinho da Viola, saiu consagrada como a grande vencedora. Veja a apresentação de Clara no festival:
Antes deste festival, ainda no ano anterior, Clara havia obtido seu primeiro sucesso, não sem o auxílio providencial, ainda que a contragosoto, do famigerado Carlos Imperial. Pressionado pelo amigo Aurino Araujo, Carlos Imperial resolveu ceder um samba que havia composto para Clara gravar. No intuito de conferir autenticidade à música, Carlos Imperial providenciou uma reunião com o bamba Ataulfo Alves para lhe apresentar a Clara e também à canção. Ataulfo ficou encantado com a cantora, fez alterações em um ou outro verso e terminou por assinar, em parcerica com Imperial, "Você passa, eu acho graça". A canção foi inscrita no festival O Brasil Canta no Rio, promovido pela extinta TV Excelsior. Imperial se encarregou do esquema de divulgação radiofônica e a música tocou bastante. A interpretação de Clara classificou a canção para a grande final, em que foi defendida pelo próprio Ataulfo. Mesmo estando entre as favoritas, "Você passa, eu acho graça" conquistou apenas o quinto lugar. Mas, pela primeira vez, Clara conseguia uma relativa projeção. E foi cantando um samba.
Bem, isto é o que conta Vagner Fernandes em Clara Nunes - Guerreira da Utopia. Confira abaixo a versão da cantora para a história, na qual ela faz apenas uma breve menção a Carlos Imperial e credita sua entrada no universo do samba exclusivamente a Ataulfo Alves.
Você passa e eu acho graça seria o nome do segundo LP de Clara Nunes, que conta ainda com outra composição da dupla Carlos Imperial e Ataulfo Alves ("Você não é como as flores"), mas a faixa-título não foi suficiente para garantir-lhe o sucesso. Embora tenha se configurado em mais um fracasso inapelável, neste disco, Clara fez sua primeira incursão para valer no universo do samba em músicas de compositores como Noel Rosa ("P'ra esquecer"), Martinho da Vila ("Grande Amor"), Darcy da Mangueira ("Cheguei à conclusão") e Chico Buarque ("Desencontro"), além da canção que dá nome ao LP. Tal opção, parece ter sido antes uma aposta comercial em função do relativo sucesso de "Você passa, eu acho graça" do que uma opção consciente da cantora ou de seus produtores. A produção musical seguiu privilegiando o canto empostado e os arranjos grandiosos, fiel ao conceito romântico no qual a cantora foi enquadrada pela gravadora. E mesmo contabilizando mais um fracasso, o terceiro disco de Clara Nunes não apresentaria nenhuma novidade em relação aos primeiros.
Um comentário:
Ahhh Clara... Maravilhosa...
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