terça-feira, 21 de julho de 2009

Como o novo pode ser velho, por Ana Cañas


Hoje, a cantora Ana Cañas dispobiblizou mais seis faixas do seu segundo disco, Hein?, em sua página no Myspace. Elas vêm se juntar a "Esconderijo", primeira música de trabalho, que já vem tocando no rádio. Lembrou-me de quando no princípio de 2007 ouvi "Devolve Moço" no mesmo Myspace, quando a cantora e compositora ainda era desconhecida. Era uma canção promissora, assim definida aqui mesmo: "Devolve Moço” injeta suíngue brasileiro sobre uma base funky-jazz ancorada no groove do órgão, da bateria e da guitarra em contraponto à melodia dividida entre o piano e um trompete sinuoso como a amplitude vocal da cantora.



Depois disso, veio o contrato com a Day1. Foi a primeira artista a assinar um novo modelo de contrato com a ex-Sony: além de cuidar da produção, do lançamento e da divulgação do disco, a empresa gerenciaria a carreira de Ana. Assim, seu estágio na independência foi breve. E as outras músicas, a maioria de autoria da própria, ficaram guardadas para o lançamento oficial. "Devolve Moço" acabou se revelando um corpo estranho no conjunto de Amor e Caos, mesmo depois de sutilmente modificada para efeito de padronização da produção.

Por um lado, as coisas se tornaram muito mais fáceis para a cantora. A formação de um público incondicional veio em seguida e o descolamento de sua própria geração acabou sendo o passo seguinte, talvez involuntário, dificilmente não premeditado. No palco, teve as companhias de Marina Lima, Paralamas do Sucesso, Toni Garrido, Arnaldo Antunes, coautor de algumas faixas do novo disco, e Nando Reis, em cujo há pouco lançado Drês ela gravou participação em "Pra Você Guardei o Amor".



Para produzir Hein?, Ana escolheu Liminha. Outro que se tornou parceiro foi Dadi. Se na estreia, regravou Caetano Veloso ("Coração Vagabundo") e Jorge Mautner ("Super Mulher"), agora o escolhido foi Gilberto Gil ("Chuck Berry Fields Forever"). Mas e os seus pares contemporâneos? Ana é de São Paulo, onde estão concentrados muitos dos nomes mais interessantes da atual geração de compositores e músicos brasileiros, mas está distantes deles. Foi do Tom Jazz direto para o Citibank Hall sem passar pelo Studio SP e foi procurar - e encontrou! - a sua turma entre os nomes consagrados do "MPB Rock Pop". Essa relação fica bem clara no video release oficial de Hein?. Se é benéfica ou não, cada qual que tire suas próprias conclusões.

Com esse salto para trás, a musicalidade de Ana, que já dava amostras de querer abarcar o mundo em Amor e Caos, reforça tal ambição. Vai buscar uma identidade em um pop remoto, próprio ao sucesso radiofônico de tempos nem assim tão bons que não voltam nunca mais.

É bastante ilustrativo que a sua versão de "Chuck Berry Fields Forever" elimine completamente a proposição sincretista de Gil em uma . O flerte da música brasileira com o rock, a suadação ao futuro e a lírica que mistura elementos da cultura afro com o pop propostos por Gil são totalmente diluídos no blues repleto de maneirismos vocais em que Ana a transformou com sua interpretação e arranjo. Fora assim também com "Coração Vagabundo" e "Super Mulher".

Da lavra autoral, tem-se baladas intimistas, raggae domesticado e rocks básicos que poderiam no máximo se tornar veículo para uma poética bela e/ou original, mas não é o caso. Não em "Esconderijo", nem em "Sempre com Você" ou em "Na Medida do Impossível", tampouco em "A Menina e o Cachorro". Hino à coçação de saco, "Coçando" é um rock cuja interpretação de Ana aproxima-se do timbre de Elis. Soa ainda mais anacrônico em função do arranjo. A comparação com Elis poderia ser tomada como elogio, não fosse o argumento mais recorrente para criticar as novas cantoras que brotam em qualquer canteiro desse Brasil grande.

Pode-se considerar bem sucedido aquele que alcança o que se propõe a fazer. Talvez resida aí o grande mérito de Ana.

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