quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Blecaute frustra Blind Date de Dolores e Naná


Há sete anos atrás, DJ Dolores (na foto ao lado) lançou o disco Contraditório e criou um novo significado para a expressão 'disc jockey' no âmbito da música brasileira. Não foi uma empreitada solitária. O resultado daquela que pode ser considerada a sua obra prima foi alcançado com o apoio da Orquestra Santa Massa, um conjunto de instrumentistas também compositores que vêm inscrevendo seu nome na história a partir do movimento mangue-bit. Entre eles, havia um percussionista à época intitulado Mr Jam, hoje conhecido por Jam da Silva.

Lembro disso, porque na última terça-feira, no Rio, DJ Dolores subiu ao palco com "O" monstro sagrado da percussão brasileira - Naná Vasconcelos (na foto ao lado) - em um show-espetáculo intitulado Blind Date, em edição especial do Multiplicidade, evento em que Jam da Silva se apresentara há duas semanas atrás. A proposta da dupla era fazer um som improvisado a partir dos beats disparados pelo DJ. O seguiam na jam uma banda com quatro músicos, tocando sax, trombone, baixo e percussão e Naná.

A sessão mal começara e ia se arrastando monotonamente, apesar da altura absurda do som, cujos graves faziam reverberar a estrutura do teatro. À repetição da batida, os músicos iam reproduzindo as mesmas frases instrumentais enquanto, no canto do palco, Naná, inexplicavelmente, reduzia sua participação a gritos guturais reprocessados por um pedal e a toques esporádicos em sua árvore de tamborins - uma estrutura vertical em que duas sequências de cinco tamborins podem ser tocadas sincronicamente a partir de um único movimento.

Menos de meia-hora havia se passado quando o encontro às cegas virou um encontro às escuras. Mas não só, pois a queda de energia emudeceu instrumentos e o computador de Dolores, sua central de beats e programações. No aguardo da restauração da luz, Naná se beneficiou de sua fama e exercitou sua porção 'entertainer', que, hoje em dia, parece mais afiada do que a sua porção musical. E a plateia que tinha ido lá para vê-lo tocar, tornou-se o instrumento de Naná. Regendo a multidão, iludiu a todos induzindo-os a pensar que estavam fazendo música. Mas não importava, a grande maioria parecia finalmente se divertir,  o que não tinha acontecido durante o espetáculo propriamente dito.

Encerrada a pantomima, se recolheu, mas foi incitado a continuar. Resmungou, mas acabou cedendo quando lhe entregaram um berimbau. Sem muita inspiração, aceitou a condição de salvar a noite. Quando o enfado novamente tomava conta do público, a esta altura já ciente da extensão e da gravidade do apagão, convocou os músicos da banda a se juntarem a ele. Puxou um frevo e todos voltaram a se animar. Dolores atacou de agogô, mas ficou claro que sua intimidade com instrumentos orgânicos não chega nem perto de sua habilidade em manipulá-los eletronicamente. "Cidade Maravilhosa" veio em seguida, mas aí a ironia ultrapassou todos os limites do bom senso e da minha paciência. Não fiquei para ver o resto.

Do encontro de dois grandes nomes da música brasileira, de gerações diferentes, o saldo é quase vexatório. O pouco que se viu já permitiu um vislumbre do todo. Dolores retrocedeu ao passado de Contraditório, apesar dos eflúvios eletrônico-jazzísticos evocados pela combinação de seus ritmos com a banda ao seu redor. Sua proposta para a Blind Date caberia muito bem em uma pista de dança, onde Naná seria totalmente dispensável, mas no palco de um teatro soa apenas maçante.

Naná, por sua vez, há tempos assume-se como simulacro do gênio que um dia foi e em algum momento se acomodou e adormeceu. Hoje, seu som é apenas barulho, muitas vezes desagradável.



E é aí que cabe a lembrança do primeiro parágrafo. No universo da percussão brasileira que extrapola as fronteiras do convencional deve-se ouvir Jam da Silva (na foto acima). Nas suas mãos, o berimbau soa como guitarra, é harmônico e melódico a um só tempo; os ritmos guiam as melodias; a voz é instrumento delicado e a percussão não tem um fim em si mesma, não prescinde dos demais instrumentos. Jam faz música.

2 comentários:

Anônimo disse...

Meu caro, devo lembrar-lhe que Dolores não é pernambucano.

PINDZIM disse...

Obrigado pela correção. Dolores é sergipano, mas desenvolveu sua carreira de Recife para o mundo.