terça-feira, 18 de dezembro de 2007
Humaitá pra Peixe 2008 - programação divulgada
04/01 - Roberta Sá - Samba Novo e outras bossas
O primeiro final de semana do festival, na Sala Baden Powell, concentra as atrações mais interessantes da edição 2008. Na noite de abertura, dedicada ao samba e à MPB, apresentam-se Raphael Gemal e Roberta Sá. Sucesso absoluto de público e crítica, a cantora potiguar radicada no Rio de Janeiro não parece se enquadrar no perfil histórico do festival, justamente por se tratar de uma artista já consagrada. E também por ser uma figurinha fácil nos palcos cariocas. Assim, causou surpresa quando ela avisou, em sua última apresentação no Circuito Original, que seu próximo show seria na Sala Baden Powell, no dia quatro de janeiro. Calendário na mão, opa, abertura do Humaitá pra Peixe. Mas Roberta é sempre bem-vinda. Com certeza vai ser uma das noites mais concorridas do festival. Raphael Gemal é um sambista que está na pista há algum tempo, não é nenhum novato, embora ainda não tenha se destacado no processo de renovação do samba a partir da Lapa. Assim como Roberta, integrou o disco coletivo Samba Novo, produzido por Rodrigo Maranhão. No próprio álbum, há artistas mais interessantes à primeira audição, como por exemplo Hamilton de Souza, mas o show no Humaitá será uma boa oportunidade para conhecer Gemal.
05/01 - Do Amor e Vanguart - A grande noite
A segunda noite traz os cariocas do Do Amor, que reúne Ricardo Dias Gomes, no baixo, e Marcelo Callado, na bateria, ambos da atual banda roqueira de Caetano Veloso, mais Benjão e Gabriel Bubu, o quinto hermano, nas guitarras. Todos se revezam nos vocais. No Humaitá, eles devem ir além do repertório do Ep lançado no meio deste ano, revelando um painel mais consistente da musicalidade do conjunto. Fechando a noite, se apresenta o Vanguart, informação que foi divulgada aqui no Blog do Pindzim há alguns dias atrás. Sem dúvida, trata-se do grande fenômeno do rock independente brasileiro no momento, fator que, agregado ao peso do festival neste circuito, vai ser fundamental para que a banda conquiste mais fãs cariocas. Pindzim aposta no Vanguart como candidato a melhor show do festival. Melhor no sentido de mais energético, empolgante e apaixonado, excluídas aí questões de gosto musical.
06/01 - Maquinado - homem-zumbi binário
No domingo, dia 6, Lucio Maia se junta a alguns de seus companheiros de Nação Zumbi para apresentar o show de seu projeto solo, o Maquinado. Acompanhado de Dengue, no baixo, e Toca Ogan, na percussão, mais o DJ PG, o melhor guitarrista do Brasil vai reproduzir ao vivo as experimentações de Homem Binário pela primeira vez no Rio. Além das naturais expectativas pelo show em si, há também a curiosidade de saber quem serão os convidados especiais de Lucio aqui no Rio. Em Sampa, normalmente o acompanham o cidadão instigado Fernando Catatau, Rodrigo Brandão, do Mamelo Sound System, entre outros.
19/01 - Z'áfrica Brasil - quilombo invencível
Z'áfrica Brasil é uma das grandes bandas do rap brasileiro. Próximo do coletivo Instituto, o grupo paulista mistura scratches e programações na criação das bases para as letras de forte conotoção política que fazem a ponte entre as tradições quilombolas do passado e a realidade das favelas do presente. Em 2007, a banda lançou dois álbuns, Tem Cor Age, e Verdade e Traumatismo. Z'áfrica Brasil é a melhor surpresa da programação, uma vez que todas as outras destacadas acima já haviam sido divulgadas anteriormente.
Cinematèque Jam Club
Na programação do Cinematèque Jam Club, as escolhas ficam ao gosto do freguês. Rodrigo Maranhão e Pedro Luis devem fazer a noite mais interessante, afinal, os dois são parceiros em algumas composições e uma possível interação entre eles deverá acontecer naturalmente. Ademais, Rodrigo Maranhão lançou um dois mais belos discos de 2007, Bordado. E do +2, de Kassin, Moreno e Domênico, sempre se pode esperar boas surpresas musicais.
Tiro ao Álvaro
Entre as apostas, Pindzim arriscaria o Manacá , cujos bem produzidos vídeos disponíveis no Youtube despertaram-me algum interesse; a divertida folia carnavalesca do Songoro Cosongo, que se apresenta na mesma noite que o Z'áfrica Brasil; a variedade de ritmos brasileiros de Oswaldo G. Pereira; e o Fino Coletivo em seu flerte entre o samba e o rock. A se lamentar, a ausência de representantes da cena pernambucana, onde sempre há boa música florescendo. Da mais recente safra, Pindzim destaca: Mula Manca e a Fabulosa Figura, Academia da Berlinda e Siba e a Fuloresta.
Atividades paralelas e transmissão online
Outras novidades do Humaitá pra Peixe 2008 são as atividades paralelas. No bar Mofo, às terças, haverá debates sobre os diversos desdobramentos da música independente no Brasil. A cada quarta-feira, haverá um workshop prático com feras como João Barone e Chico Neves, cujas inscrições já estão abertas aqui. E o Oi Futuro vai servir de base de lançamento de novos discos de Os Outros, Columbia, Vulgo Quinho & Os Cara e Quito Ribeiro, sempre às quintas. Mas a notícia mais legal é que todos os shows do festival serão transmitidos ao vivo em http://www.humaitaprapeixe.com.br/.
Confira a programação completa do festival e outras informações em http://www.pilastra.com.br/. Os peixes estão se espalhando para muito além do humaitá.
quinta-feira, 6 de dezembro de 2007
Livro: A História dos Novos Baianos e Outros Versos
A história dos Novos Baianos ganha uma segunda biografia escrita por um dos integrantes que viveu aquela história. A primeira, "Anos 70: Novos e Baianos", editada na década de 90 pela Editora 34 - atualmente fora de catálogo - foi escrita pelo letrista Galvão em um tom memorialístico. O poeta da trupe conta a história da banda passo a passo, esmiuça os principais eventos, revela outros menos conhecidos, além de trazer diversas fotos, e, por essas razões, muito provavelmente, é a biografia definitva dos Novos Baianos.
Por cobrança dos fãs, Moraes Moreira resolveu escrever a sua versão da história, mas sabia que seria inóquo repetir o formato utilizado por Galvão. Então, ele resolveu traduzir a experiência dos Novos Baianos em versos de literatura de cordel. O resultado é um relato carregado de emoção em que se pode reviver as venturas e desventuras de uma banda cujo legado não se resume unicamente à sua obra musical. Foi também a única banda que levou a cabo o ideal hippie dividindo igualmente os prazeres e os dissabores de levar uma vida em comunidade.
Os Novos Baianos quebraram paradigmas da música brasileira ao inserir baixo, bateria e guitarras elétricas no samba. Acabou Chorare, clássico definitivo que no mês passado foi escolhido o melhor disco brasileiro de todos os tempos em eleição promovida pela Rolling Stone brasileira, marca o encontro do pop com a tradição sob a a benção de João Gilberto. Uma mistura que vem dando o tom da melhor música brasileira produzida nos dias de hoje, desde a retomada engendrada por Chico Science e Nação Zumbi, com o Mangue-bit, passando por Marcelo D2 e o hip-hop com samba, o rock do Los Hermanos, até Marisa Monte, aquela que mais abertamente assumiu a herança dos Novos Baianos.
Mais do que o livro, é o disco que o acompanha que revive a aura mítica da experiência de ter sido um novo baiano. Após uma breve introdução em que contextualiza a época do tal advento, Moraes assume a condição de narrador e vira personagem de sua própria história para recitar em versos a saga dos Novos Baianos, que é, ao mesmo tempo, "poema, drama, tragédia... cordel, divina comédia". Cada momento ilustrado com o trecho instrumental da música correspondente.
"A História dos Novos Bainos e Outros Versos" não tem a pretensão de ser um relato de valor documental. É, antes de qualquer coisa, um tributo afetivo a cada um dos seus companheiros de jornada: Galvão, Paulinho, Baby, Pepeu, Jorginho, Dadi, Baixinho, Gato, Negrita e as coadjuvantes, mas não menos importantes, Marílias-mulheres que os acompanhavam naquele ideal comunitário. Este sentimento permeia toda a narrativa, mas fica ainda mais claro na passagem em que Moraes justifica a sua saída da banda.
Os versos citam também alguns personagens que foram importantes ao longo da epopéia, como Tom Zé, que o apresentou a Galvão; Caetano e Gil, a quem a banda acompanhou no show de despedida antes deles partirem para o exílio; João Gilberto, cujo convívio foi fundamental para a concepção de Acabou Chorare; Gal Costa, que frequentava a cobertura da Conde de Irajá, em Botafogo, e inclui "Dê um rolê" no repertório do histórico show "Fatal".
Como complemento à História dos Novos Baianos, o livro compila as letras das canções da carreira solo de Moraes. Muitas trazem sucintas notas de rodapé falando explicando as circunstâncias em que foram feitas e sob qual inspiração.
Se é um deleite ouvir o disco em casa folheando as páginas do livro, melhor ainda é assistir ao show no qual ele resultou e que foi apresentado pela primeira vez na última segunda-feira, no Allegro Bistrô Musical da Modern Sound. Embora "A História dos Novos Baianos" não seja recitada na íntegra devido à longa duração, é delicioso ouvi-lo recitar alguns trechos entremeados pelas canções que compõem esta bela história levadas apenas por Moraes e seu violão na companhia do filho Davi e sua guitarra. Nesta primeira apresentação houve ainda a participação especial de Baby - em "A Menina Dança", "Tinindo Trincando" e "A casca de banana que eu pisei" - e Pepeu, em "Um Bilhete pra Didi" e "Eu também quero beijar". Uma celebração que não foi uma volta ao passado, mas sim um brinde à história da música brasileira.
Na sexta-feira e no sábado, Moraes Moreira apresenta no Estrela da Lapa o show de lançamento do livro "A História dos Novos Baianos e Outros Versos". O livro estará a venda no local e após o show haverá sessão da autógrafos. Pindzim recomenda, tanto o show quanto o livro.
Serviço:
Moraes Moreira no Estrela da Lapa
Data e Horário: Sexta, 7, e Sábado, 8 de Dezembro - 22:00
Endereço: Avenida Mem de Sá, 69 - Lapa
Reservas: 2509.7602 - 2507.6686
Preço: R$ 30,00
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
Vanguart confirmado no Humaitá pra Peixe
Nos últimos quatro meses, a banda se apresentou três vezes no Rio de Janeiro, então causa alguma surpresa o fato de que eles tenham sido escalados para o Humaitá pra Peixe, um festival que costuma privilegiar bandas de fora do Rio que sejam inéditas, ou quase, nos palcos da cidade. Se por si só a música justifica a escalação do Vanguart, o show cancelado na última edição do Tim Festival é outro bom motivo. É possível que com a apresentação no Humaitá a banda conquiste mais fãs cariocas, que ainda são poucos, como se pôde verificar nos shows de novembro no Cinematèque Jam Club.
Este ano o Vanguart lançou seu primeiro disco oficial - já havia lançado outros dois em esquema artesanal, além de ter lançado algumas canções diretamente na internet, através do Trama Virtual. A distribuição digital e as apresentações enrgéticas de Hélio Flanders e seus comparsas no circuito brasileiro de festivais popularizaram a banda no contexto da cena independente brasileira. Vanguart traz as primeiras músicas da banda em português, além dos hits "Semáforo", "Cachaça" e "Hey yo Silver", uma em espanhol, "Los Chicos de Ayer", e a primeira na voz do baixista Reginaldo Lincoln, "Beloved".
Após os clássicos iniciais distribuídos entre as quatro primeiras faixas do disco, as demais canções forjam uma unidade estética em que as influências da banda ficam menos evidentes. O folk eletro-acústico encontra a melancolia do rock inglês para além dos Beatles, especialmente na temática das letras, que versam sobre desencontros amorosos, e na voz de Hélio Flanders, emoldurada por uma guitarra limpa e um violão tranquilo. Ao mesmo tempo que conferem uma identidade sonora própria à banda, as músicas do disco homônimo reduzem o variado espectro sonoro constituído pelas canções mais antigas de Hélio Flanders. A levada folk-rock de "Into the ice" e "Blood Talnkin", a fúria punk de "Last Express Blues", o violão dedilhado de "Rainy day song", a proeminência do teclado de "My last days of romance" e a circularidade de "Spanish Woman" foram dissipadas ao longo das 14 músicas do disco.
Assim que é no palco, onde o repertório funde estas, digamos, duas vertentes, que se sente toda a força e a originalidade da música do Vanguart. Tudo indica que este ano a pescaria vai ser boa. Pelo menos um peixão já está garantido.
quinta-feira, 29 de novembro de 2007
Céu: shows no Rio hoje e amanhã
Depois de causar sensação em Salvador com uma apresentação que atraiu muito mais público do que o espaço comportava, deixando muitas pessoas de fora, e de mais uma bem-sucedida turnê pelos Estados Unidos, a cantora volta ao Rio de Janeiro, onde até agora havia feito poucas e pontuais apresentações: Humaitá pra Peixe, Tim Festival, Palco MPB e no Vivo Rio. Finalmente o Rio de Janeiro a recebe sozinha em um palco a altura. Imperdível.
Serviço:
Céu no Mistura Fina
Dias: 29/11 (qui) e 30/11 (sex)
Horário: 20h e 22h30 (2 showS nos 2 dias)
Preço: R$40,00
Endereço: r. Rainha Elizabeth, 769, Ipanema
Horário da bilheteria: de 14h às 20h antecipado e de 14h até o início do show nos dias dos shows.
Formas de pagamento: dinheiro ou cheque (por enquanto a casa ainda não aceita cartões)
Marcelo Camelo apresenta música nova
Marcelo Camelo apresentou uma música nova em sua página no Myspace e no Youtube. Registrada em vídeo, tendo como pano de fundo uma bela paisagem praiana ao entardecer, "Teo e a gaivota" é instrumental, levada apenas no violão sobre o murmúrio das ondas que quebram ao fundo. De imediato, o cenário e o dedilhado intrincado nas cordas do violão evocam as canções praieiras de Dorival Caymmi:
terça-feira, 27 de novembro de 2007
Academia da Berlinda: cumbias e guarachas ao estilo pernambucano
Academia da Berlinda - a banda
Se a efervescência musical de Recife não reverbera como deveria nos palcos da cidade devido a uma suposta pasmaceira que, dizem, tomou conta dos produtores da cidade, os músicos se mobilizam para viabilizar os próprios shows. Foi assim que, em 2004, tendo como desculpa a inauguração da casa do produtor francês Marc Rennier, que amigos de diferentes bandas locais se reuniram para formar o coletivo que resultaria na Academia da Berlinda.
A proposta era botar a galera para dançar agarradinho, tipo gafieira, no quintal da casa. A festa começou sem um repertório pré-definido, as músicas iam surgindo no palco à medida que um ou outro integrante as puxava. "Rolou muito Aldo Sena e The Pops", relembra o baixista Yuri, guitarradas improvisadas e cumbias ancestrais. O espaço foi tomado de assalto por 350 pessoas – quando comportava no máximo 100 -, exceto o dono da casa, que ainda não havia chegado à cidade. Entretanto, ele não demoraria a conhecer a original mistura de ritmos latinos e caribenhos com a ciranda, o coco, o samba de matuto e a lambada, representantes da tradição popular brasileira. A festa acabou, mas a receptividade dos convidados – e também dos penetras – ao som foi um indicativo de que aquela era uma banda mais do que bem vinda. Era, de fato, necessária para agitar a cena pernambucana.
A partir do sucesso inicial, a banda continuou a produzir as próprias festas-show. Uma vez estabelecida, surgiu a necessidade de dar-lhe um nome. Entre as opções sugeridas pelo bateirista e percussionista Tom Rocha, chegou-se rapidamente a um consenso. É costume entre os integrantes da banda tirar onda um do outro no palco, nos ensaios, nos encontros, enfim, o tempo todo. Do centro das atenções à berlinda. Se essa prática é exercida com continuidade e intensidade, logo ela é uma academia. E assim ficou: Academia da Berlinda.
Nascida como um projeto paralelo de seus integrantes, uma vez que todos têm suas bandas oficiais, a Academia da Berlinda acabou tomando proporções maiores na carreira de seus integrantes. A ênfase nos ritmos latinos fez com que a banda fosse convidada para tocar em tradicionais redutos da “família cubana” em Recife, como o clube Bela Vista, normalmente frequentado por um pessoal que já gastou mais de uma centena de chinelas ao ritmo do arrasta-pé e não é muito dado a modernidades, digamos assim. Ao primeiro compasso, porém, tomaram seus pares e se misturaram aos jovens fãs de primeira hora da banda, promovendo um encontro de gerações raramente visto nas grandes metrópoles brasileiras. Assim foi também no Clube das Pás e a Academia da Berlinda se consolidou no circuito de bailes da cidade.
Academia da Berlinda - o disco
A partir deste convívio nos palcos da cidade surgiram composições próprias. “Academia da Berlinda” e “Envernizado” foram as primeiras a virem à luz, distribuidas por email aos mais antenados, que logo a espalharam pela rede. Um clipe de “Cúmbia do Lutador” gravado ao vivo e disponibilzado no Youtube reforçou as expectativas em relação ao disco de estréia da banda, auto-intitulado Academia da Berlinda, encartado na 12ª edição da revista O Dilúvio.
O disco foi uma conseqüência natural da acolhida que a banda teve em suas apresentações ao vivo. O público pediu e em fevereiro de 2007 a banda entrou em estúdio. As músicas vinham sendo trabalhadas e lapidadas ao longo de três anos de estrada. O vocalista Tiné tem participação em pelo menos metade das composições, com destaque para “Comandante”, cuja letra homenageia Pinduca, mestre paraense do catimbó; “Ciranda Enrustida”, em que a tradição melódica circular da ciranda é subvertida pelo diálogo entre o riff da guitarra e a sinuosidade do teclado; o clássico inaugural “Envernizado”, que conta com a participação de Jorge du Peixe, da Nação Zumbi, nos vocais; e o contagiante hino revolucionário “Cumbia do Lutador”.
O hino oficial, “Academia da Berlinda”, e “Naguê”, cantada em dialeto africano, são assinadas coletivamente. “Brega Francês”, de Yuri Rabid e Hugo Gila, apela a um micro korg encharcado pelas lágrimas de um homem abandonado para criar um clima de boate-cabaré de beira de estrada em que francês e português se misturam promiscuamente reforçando a dramaticidade do apelo: “estou cansado de te esperar, estou cansado de tentar te encontrar”. O emblemático Erasto Vasconcelos presenteou-os com “Mama me Queira” e Fred 04 injetou suíngue no samba torto “Se ela gostar”.
Felizes com a receptividade do disco apesar das dificuldades de distribui-lo e de divulgá-lo de forma totalmente independente, a banda revela ter planos de apresentar o show para além das fronteiras pernambucanas. Ainda sem datas confirmadas, o primeiro alvo é o Sudeste, e em um segundo momento os estados do Sul. A idéia é montar uma base em São Paulo e de lá fazer a ponte com outras cidades.
Enquanto isso, caso você não seja pernambucano ou não tenha tido o privilégio de assistir à Academia da Berlinda ao vivo, coloque o disco pra rodar e vá preparando a sola do sapato para cair na dança, agarradinho, ao som de cumbias, guarachas e merengues, um brega novo e original perfeito para ser ouvido num clima de brincadeira e fantasia como devem ser os momentos de maior diversão.
Obs: o disco está disponível para download no site de O Diluvio.
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
Rodrigo Amarante e Devendra Banhart: parceria frutífera
No making of do disco disponibilizado no Youtube há imagens de Amarante interagindo com Devendra, embora não apareça tocando, pois a música que serve de trilha sonora e espinha dorsal para a edição das imagens é a extensa "Sea Horse", na qual, aparentemente, ele não colaborou. Também aparecem no vídeo imagens do ator Gael Garcia Bernal que participou do disco cantando "Cristobal". Sinta o clima em que transcorreram as gravações:
A carreira internacional de Amarante deve continuar, de acordo com o próprio Devendra. Em entrevista recente citada no blog Ilustrada no Pop, ele sugeriu que em breve o brasileiro deve realizar algum trabalho com os Strokes, ou pelo menos com alugns de seus integrantes. Além disso, Devendra trouxe à luz a primeira composição em inglês de Amarante. "Diamond Eyes" integra "Acid Folk", uma coletânea compilada pelo americano para a revista Uncut. E as novidades não param por aí. Assim como Marcelo Camelo, Amarante criou sua própria página no Myspace, onde disponibilizou uma versão em voz e violão de "Evaporar" diferente daquela registrada no disco "Duos", do guitarrista Lanny Gordin. Bonito.
segunda-feira, 12 de novembro de 2007
Show: Bebeto Castilho no Cinematèque Jam Club
O ambiente de ambas as casas combinado à sonoridade calcada na tríade baixo, piano e bateria evocam o passado romântico do Rio bossa-nova. A adição de um cavaquinho em "Ora ora", primeira música do show, dá o tom do samba-jazz de Bebeto e sua banda. O molejo matreiro do samba se mistura à riqueza harmônica do jazz sem ceder ao cerebralismo ou esgarçar-se em improvisos enfadonhos. Quando o cavaquinho é abandonado no fundo do palco para praticamente não mais voltar à cena, o piano cai no samba, enquanto o baixo flerta o tempo inteiro com o ritmo, tal qual um surdo de cordas, mantendo um diálogo permanente com a bateria do excelente Ivo Caldas.
No show do Cinematèque, na última sexta-feira, Bebeto recebeu o sobrinho-neto Marcelo Camelo para uma participação especial - no mesmo dia que Ancelmo Góis, em sua coluna no jornal O Globo, revelou que ele deve entrar em estúdio para gravar um disco solo. Era certo que ele cantaria "Porta de cinema", registrada em dueto pelos dois em Amendoeira. A surpresa ficou por conta da outra música escolhida, a primeira a ser cantada por Marcelo no show. Foi "Batuque", samba que abre o disco de estréia de Bebeto, gravado em 1976 quando ele sequer era nascido. Marcelo emprestou melancolia à canção em uma interpretação apaixonada deixando as reverências para o final quando aproveitou para fazer graça da dificuldade de se encontrar e, conseqüentemente, de se ouvir a este belo disco nos dias de hoje, do qual ele ainda cantaria, em um espanhol embriagado, "Deja-me ir".
Infelizmente, esta foi a única música registrada pela Tuba do Pindzim, ainda assim incompleta, pois a bateria da câmera acabou durante a execução. Mesmo tendo perdido o coro final, resolvi disponibilizá-la pelo ineditismo e a nobreza do encontro e da interpretação. Aí está:
Marcelo ainda voltaria no bis para cantar "Isaura" e "A vizinha do lado", na qual chegou a empunhar o cavaquinho mas não chegou a arriscar nenhum acorde. Perfeita despedida, feita a ressalva de que não é justo esperar tanto tempo para assistir a um show de Bebeto Castilho.
quinta-feira, 8 de novembro de 2007
Especial Clara Nunes - Parte 5 (Final)
Recuperada do baque e da cirugia, Clara voltou à cena no desfile da Portela no carnaval de 1980. Em seguida, deu-se sua aproximação com Chico Buarque, que a convidou a participar de uma caravana de artistas que se apresentaria em Angola. Durante a viagem, os dois se tornaram amigos e Clara pediu uma música ao compositor para incluir no seu próximo disco. O repertório já estava praticamente fechado quando Chico entregou-lhe "Morena de Angola". A canção foi o grande sucesso de Brasil Mestiço e tornou-se, para sempre, mesmo depois que o próprio Chico a gravou, associada a Clara. No clipe da música gravado para o Fantástico a cantora apresentou seu novo visual, com um penteado de inspiração afro-brasileira idealizado pelo maquiador Guilherme Pereira. A participação de modelos caracterizados como nativos africanos dançando em meio a grandes plantações evoca a realidade do continente. A imagem de Clara dançando e cantando é uma das mais fortes lembranças que se mantêm no imaginário dos fãs da cantora.
Puxado pela canção que transformou o disco em mais um grande sucesso na carreira da cantora e rendeu-lhe o cobiçado Troféu Roquette-Pinto, Brasil Mestiço trazia mais uma vez composições de Candeia ("Dia a dia", em parceria com Jaime, e Regresso"), Nelson Cavaquinho ("Ninho Desfeito", em parceria com Wilson Canegal), quatro de Paulo César Pinheiro ("Meu castigo", "Sem companhia", com Ivor Lancellotti; "Brasil mestiço santuário da fé", com Mauro Duarte; e "Estrela Guia", com Sivuca). O disco foi levado aos palcos em um espetáculo intitulado Clara Mestiça, no qual a cantora foi acompanhada pelo Conjunto Nosso Samba acrescido de um naipe de metais. Pode-se sentir o clima do espetáculo neste vídeo de "Peixe com coco", um samba rasgado de Alberto Lonato, Josias e Maceió do Cavaco, que se converteu no outro grande destaque do disco.
Na esteira do sucesso do álbum e do show, a cantora entrou em estúdio novamente para gravar Clara. Ao lado de Nação, que seria o último da carreira da cantora, é um dos melhores representantes da riqueza e da diversidade de ritmos e gêneros musicais brasileiros interpretados pela cantora. As vendas, entretanto, já não repetiam os grandes êxitos do passado. Em 1978, Maria Bethania superou a marca de 1 milhão de discos vendidos com Álibi, número jamais alcançado até então por qualquer outra intérprete na história da música brasileira. A baiana consolidava-se como a cantora de maior sucesso comercial do país enquanto alguns veículos de mídia alardeavam o declínio nas vendas dos LP's de Clara. A cantora, como de costume, não se deixou abater. Reconheceu a queda, mas justificou: "prefiro vender 300 mil cópias a 600 mil, com uma proposta mais consistente do ponto de vista do repertório". E realmente, além do onipresente samba, os repertórios de Clara e Nação trazia afoxé, ijexá, congada e forró.
Alguns anos depois de ter se apresentado no Midem, em Cannes, Clara foi convidada a voltar à Europa. Agora, se apresentaria na Alemanha e seria novamente aclamada por público e crítica. "Portela na Avenida", grande sucesso de Clara levava os estrangeiros ao êxtase. Era o princípio de uma carreira internacional. Em agosto de 1982, Clara chegava ao Japão, onde, além de fazer shows, gravou um especial para a televisão japonesa.
Depois do Japão, Clara se apresentaria ainda em Cuba, integrando mais uma caravana organizada por Chico Buarque. De volta ao Brasil, gravou o clipe de "Nação" para o Fantástico e começou a se preparar para o carnaval, tendo programado uma cirugia plástica para a retirada de varizes para logo depois da folia. Embora já houvesse chegado aos 40 anos, Clara mantinha-se uma mulher exuberante, como se pode ver no clipe de "Ijexá", último gravado pela cantora, em Salvador. Mas as pequenas imperfeições estéticas em suas pernas feriam a sua vaidade. Em 5 de Março, Clara deu entrada na Clínica São Vicente para submeter-se à cirugia. Auto-suficinete, a cantora chegou sozinha dirigindo o próprio carro. Uma suposta reação alérgica causada pelo anestésico fez com que Clara sofresse uma parada cardíaca que redundou em um estado de coma e conseqüentemente em morte cerebral. A cantora ficou 28 dias nesse estado, causando uma comoção nacional. Os fãs faziam vigília na porta da clínica. Teses sensacionalistas, as mais estapafúrdias, eram levantadas pela imprensa até a sua morte em 2 de abril de 1983.
Como última homenagem do Blog do Pindzim, apresentamos esta colagem de clipes que terminam com a imagem emblemática de Clara, em vestes alvas, entoando versos de "Conto de Areia": "era um peito só, cheio de promessa, era só..."
segunda-feira, 5 de novembro de 2007
Especial Clara Nunes - Parte 4
Em 1977, o disco Canto das Três Raças foi levado aos palcos em um espetáculo homônimo no recém inaugurado Teatro Clara Nunes, um empreendimento bancado pela própria cantora em parceria com o marido Paulo César Pinheiro, até hoje em funcionamento no Shopping da Gávea, no Rio de Janeiro. Além das canções presentes no disco, Clara apresentava no show músicas de Caetano Veloso, Chico Buarque, Mauricio Tapajós, Nelson Cavaquinho e Paulinho da Viola que havia gravado ao longo de sua carreira. A partir do repertório, Clara procurava se afastar do rótulo de "cantora de samba" para consolidar-se como uma cantora de música popular brasileira sem restrições de gênero e estilo. Embora o espetáculo tenha sido mais um grande acerto da cantora em sua carreira, os mesmos críticos da Veja e do Jornal do Brasil encontraram motivos para criticá-la.
No final do ano, foi lançado As Forças da Natureza, disco repleto de músicas que se tornaram clássicas, com destaque para os sambas "As forças da natureza", de Paulo César Pinheiro e João Nogueira, "P.C.J. (Partido Clementina de Jesus)", de Candeia, "Coisa da Antiga", de Wilson Moreira e Nei Lopes, "Coração Leviano", de Paulinho da Viola, e "Palhaço", de Nelson Cavaquinho. Em "Senhora das Candeias", dos onipresentes Romildo e Toninho, "Sagarana", de Paulo César Pinheiro e João Aquino, e "Fado Tropical", de Chico Buarque e Ruy Guerra, Clara segue por veredas outras que não o samba e em "À flor da pele" apresenta sua primeira música como compositora, em parceria com Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós, na qual ela criou a melodia.
Com mais um sucesso nas ruas, Clara foi convocada pela EMI para recepcionar o Príncipe Charles nos novos estúdios da gravadora localizados na rua Mena Barreto, em Botafogo, no Rio de Janeiro. O detalhe é que ela não falava inglês. Problema nenhum, o que importava era que Clara era a mais popular cantora do casting da EMI Brasil. Em seguida, integrou o show coletivo Sabor bem Brasil que cruzou o Brasil de Norte a Sul, ao lado de Luiz Gonzaga, Altamiro Carrilho, Waldir Azevedo e João Bosco, entre outros.
A notícia de uma nova gravidez obrigou-a a abandonar o espetáculo, mas não a impediu de entrar em estúdio para gravar Guerreira, cuja faixa-título composta por João Nogueira e Paulo César Pinheiro apresenta traços da personalidade combativa e lutadora de Clara. O disco ainda não estava na rua quando pela segunda vez a gravidez foi interrompida prematuramente. Apesar do enorme baque, o show tinha que continuar. Em outubro, a cantora gravou um clipe de Guerreira nas Cataratas do Iguaçu para divulgar o disco no Fantástico.
O fim de 1978 trouxe mais uma má notícia para Clara: a morte de Candeia. O compositor portelense fora um dos primeiros a acolher a cantora no seio do samba e teve suas músicas gravadas por Clara em muitos discos. Guerreira trazia "Outro recado", parceria entre o compositor e Casquinha, e o disco seguinte, Esperança, traria outras duas em parceria com Jaime: "Minha Gente do Morro" e "Ê favela". Antes de entrar em estúdio para gravar seu novo disco, Clara fez uma participação em Marçal interpreta Bide e Marçal, homenagem à dupla de compositores que participou da fundação da escola de samba Estacio de Sá, uma das mais tradicionais instituições do samba carioca, idealizada pelo filho do segundo, o Mestre Marçal. Veja abaixo depoimento da cantora falando sobre sua participação no disco
O ano de 1979 começou com uma viagem à África onde a cantora se apresentou ao lado de João Nogueira que a impediu de desfilar pela Portela. De volta ao Brasil, ela se empenhou em participar da fundação do Clube do Samba, um movimento pela valorização e o reconhecimento da música brasileira, uma vez que o país vivia a febre das discotecas e da disco music impulsionada pelo grande sucesso da novela Dancin Days, exibida na TV Globo.
Foi com esse espírito de representante da música popular brasileira na grande mídia e sob influência da triste realidade africana que Clara gravou Esperança. Na capa, a cantora aparece de mãos dadas com duas crianças humildes moradoras de uma favela no bairro da Saúde, localizado na região portuária do Rio de Janeiro, transmitindo uma mensagem de fé na renovação que emana do povo em sua luta pela sobrevivência, em suas manifestações culturais, mesmo quando condenado a viver em condições de pobreza degradante. Calcado em uma sonoridade marcadamente afro-brasileira, muitas músicas de Esperança retratam o viver das pessoas mais pobres e humildes. Porém, a primeira música a estourar e que levou ao delírio a multidão que compareceu ao show de lançamento do disco no Pavilhão de São Cristovão, quando Clara a executou acompanhada de um de seus compositores, foi "Feira de Mangaio", de Sivuca e Glória Gadelha.
Na ocasião do lançamento de Esperança, Clara estava em período de gestação pela terceira vez e acreditava que daquela vez a gravidez finalmente iria vingar. Mas o mioma em seu útero havia crescido, provocando mais um aborto espontâneo. Para enterrar de vez seus anseios maternais, o crescimento do mioma obrigou-a a se submeter a um cirugia para retirada do útero. O disco repetiu o sucesso dos anteriores emplacando outros sucessos, como "Banho de Manjericão", de João Nogueira e Paulo César Pinheiro, e "Na linha do mar", de Paulinho da Viola, mas, emocionalmente, Clara passava por um momento delicado.
segunda-feira, 29 de outubro de 2007
Especial Clara Nunes - Parte 3
O sucesso do espetáculo Brasileiro – Profissão Esperança foi arrasador. Foram 127 apresentações entre setembro de 1974 e abril de 1975. Ao mesmo tempo, Alvorecer se tornava o maior sucesso de vendas da carreira de Clara até então. Vivendo um momento de glória, Clara finalmente se sentiu completamente realizada ao casar-se com Paulo César Pinheiro. A sintonia afetiva que havia entre os dois estendeu-se ao campo profissional e foi determinante para a carreira artística de um e de outro.
Porém, Paulo César não quis se envolver diretamente na produção de Claridade, primeiro disco gravado por Clara após o casamento. Contribuiu apenas como compositor em parcerias com Guinga (“Valsa de Realejo”) e João Nogueira (“Bafo de Boca”). O violonista Hélio Delmiro assumiu a produção e se empenhou em montar um repertório impecável que reuniu composições de Cartola (“Que seja bem feliz”), Nelson Cavaquinho (“Juízo final”), Ismael Silva (“Ninguém tem que achar ruim”) e dos portelenses Monarco e Walter Rosa (“Vai amor”), Alberto Lonato (“O sofrimento de quem ama”) e Candeia, presente com duas composições: “O último bloco” e “O mar serenou”. Esta última foi um dos grandes sucessos do disco – que superou a marca de 500 mil cópias vendidas – ao lado de mais um hit da duplaRomildo e Toninho - “A deusa dos orixás”.
Paulo César Pinheiro já era um letrista reconhecido quando ele e Clara se apaixonaram. Suas parcerias com Baden Powell haviam feito grande sucesso na voz de Elis Regina (“Lapinha”, “Vou deitar e rolar”, “Aviso aos navegantes”). Embora não tivesse experiência como produtor, assumiu, naturalmente, a produção executiva dos discos de Clara a partir de Canto das três raças, além de assinar a faixa título, que abre o disco, em parceria com Mauro Duarte. Embora não haja em Canto das três raças nenhum outro grande sucesso, talvez “Lama”, também de Mauro Duarte, o disco repetiu a vendagem do antecessor e a temporada de lançamento, no Teatro João Caetano, no centro do Rio, confirmou no palco a comunhão entre a cantora e o seu público devotado.
Assista abaixo uma versão de “Canto das três raças” na voz do próprio Paulo César.
Show e disco renderam vários prêmios a Clara: cantora do ano pela crítica, mais popular intérprete brasileira pelo público e o Troféu Imprensa foram alguns deles. A incompreensão – ou má vontade, ou incompetência mesmo – de alguns críticos de publicações importantes como a Veja e o Jornal do Brasil, que a despeito do enorme sucesso popular da cantora, ousavam fazer restrições ao seu trabalho, não tiravam a felicidade da cantora. A única coisa que faltava para Clara era a confirmação de uma tão esperada gravidez e ela veio no fim do ano de 1976. Orfã desde muito cedo, Clara sempre prezou pelos valores familiares. Sonhava em ser mãe para poder se dedicar à criança, nutri-la com carinhos e cuidados que ela mal chegou a ter. Porém, este seria um desejo jamais realizado devido a existência de miomas em seu útero que impediam qualquer gravidez de ir adiante.
quinta-feira, 18 de outubro de 2007
Especial Clara Nunes - Parte 2
O fracasso comercial de Você passa e eu acho graça desnorteou ainda mais a jovem Clara Nunes e também os diretores da Odeon. E o disco seguinte, A beleza que canta é um reflexo perfeito da falta de rumo da carreira da cantora. O samba foi posto de lado. Os arranjos ficaram mais leves sem, no entanto, perder a imponência. No repertório predominam canções românticas, como no disco de estréia, misturadas a três composições do versátil Carlos Imperial, que assina a assistência de produção. Também é neste disco que Clara flerta com a Jovem Guarda em duas músicas de importantes compositores do movimento: "Gente boa", de William Prado, e "Graças a Deus", de Fernando Cesar. A capa é o mais perfeito retrato de tais contradições: traz uma Clara sorridente, vestindo calça e colete de couro sobre uma camisa social branca fechada até a gola. Quem sabe uma tentativa de torná-la uma cantora para ser ouvida em família, ao mesmo tempo interessante à parcela mais recatada da juventude e aos pais saudosos das cantoras do rádio. Em pelno furacão tropicalista, o resultado não poderia ter sido outro: mais um tiro n'água. Porém, em "Guerreira de Oxalá", uma das composições de Imperial, já se ouve a voz da cantora limpa, sem impostação, com o timbre e o estilo vocal com os quais ela se consagraria em um futuro próximo.
Os homens da vida de Clara tiveram participação importante nos rumos musicais seguidos pela cantora. Seu futuro namorado, o produtor Adelzon Alves, seria o responsável por sua guinada para o samba, no ano de 1970. Após três discos insignificantes, tanto artística quanto economicamente, Clara estava decidida a tomar as rédeas de sua carreira. A experiência nos terreiros de candomblé e o sucesso de "Você passa eu acho graça" indicavam um caminho a seguir. Ao entrar em estúdio, ela estava firme em seus propósitos de explorar as raízes musicais afro-brasileiras. Para tanto, gostaria de ter como produtor Hermínio Bello de Carvalho, vetado pela gravadora em um jogo de bastidores orquestrado por Carlos Imperial. Por sugestão da própria Clara, Adelzon, radialista que comandava um programa dedicado ao samba na Rádio Globo, assumiu a produção do disco tendo em mente transformá-la na sucessora natural de, pasmem, Carmen Miranda. Clara Nunes é um disco de transição, ainda há uma ou outro arranjo orquestral, mas Clara empunha com garra o estandarte do samba. Também há um baião (“Sabiá”), um frevo (“Novamente”), gênero que poucas vezes foi cantado por ela, e duas vinhetas do folclore litorâneo (“Puxada da rede do xaréu”). Se o disco não foi um grande sucesso, também não repetiu os fracassos anteriores e ao menos uma música estourou: "Ê baiana", um samba rasgado com bateria acelerada. Clara finalmente encontrava uma identidade própria.
Na seqüência, saiu “Clara Clarice Clara”, disco que marca a entrada de Clara no universo dos grandes bambas do samba. Se o disco começa com “Sempre Mangueira”, de Nelson Cavaquinho e Geraldo Queiroz e a terceira faixa é “Alvorada no Morro”, de Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho, o maior sucesso foi Ilu Ayê (Terra da Vida), samba-enredo de Cabana e Norival Reis que deu à Portela o terceiro lugar no carnaval daquele ano.
Em 1973, Clara apresentou-se ao lado de Vinicius de Moraes e Toquinho no espetáculo Poeta, Moça e Violão. Quase ao mesmo tempo, era lançado Brasília, seu primeiro grande clássico. A faixa de abertura, “Tristeza pé no chão”, samba de Mamão, um compositor de Juiz de Fora, foi o grande sucesso de um disco que tem canções de Chico Buarque (“Umas e outras”), Nelson Cavaquinho mais uma vez, agora em uma parceria com Guilherme de Brito (“Minha festa”), e Dorival Caymmi em uma interpretação dramática de “É doce morrer no mar”. Na versão abaixo de “Quando vim de Minas”, também presente no disco, Clara interpreta a canção de Xangô da Mangueira entre Martinho da Vila e Dona Yvone Lara, cuja voz se faz ouvir no coro. Em estúdio, ela inseriu um “ora veja, Chilau” entre os versos do refrão, como quem diz: “mano velho, sua irmã agora é uma estrela”. Clara se consolidava como a mais popular cantora brasileira.
Logo, seria uma estrela internacional. Em janeiro de 1974, Clara se apresentou no MIDEM, em Cannes, e arrebatou o público francês. Sua performance no palco, acompanhada pelo conjunto Nosso Samba, está registrada na capa de Alvorecer, disco que sucedeu Brasília. Puxada pelo sucesso de "Conto de Areia", a vendagem atingiu a impressionante marca de 400.000 unidades vendidas, uma cifra sem precedentes para uma cantora brasileira. Com a sua popularidade no auge, Clara era presença constante não só no rádio, mas também na televisão. Aqui ela interpreta "Meu sapato já furou" no programa Globo de Ouro.
No mesmo ano, Clara foi convidada por Bibi Ferreira a participar do espetáculo Brasileiro Profissão Esperança, ao lado do ator Paulo Gracindo. Tratava-se de uma homenagem ao jornalista e compositor Antonio Maria e à cantora e compositora Dolores Duran. Paulo Gracindo atuava como o cronista narrador enquanto Clara era responsável pelos números musicais em que interpretava canções dramáticas que nada tinham a ver com os rumos que sua música havia tomado. De certo modo, foi uma segunda volta por cima, pois o espetáculo permitiu que ela mostrasse todo o seu talento enquanto cantora e intérprete para além do universo do samba e da música popular. Foi então que ela conheceu Paulo César Pinheiro. Acometidos por uma paixão fulminante, os dois se casaram. Se o sucesso havia ampliado as liberdades de Clara dentro da Odeon, ao lado do marido ela assumiu autonomia total sobre as escolhas artísticas que iriam pautar sua carreita até o acidente que lhe tirou a vida.
terça-feira, 16 de outubro de 2007
Especial Clara Nunes - Parte 1
Consagrada em palcos mineiros, Clara Nunes resolveu trocar Belo Horizonte pelo Rio de Janeiro em 1965. Tratava-se de um passo necessário para quem almejava seguir a carreira musical. Contou com a ajuda do namorado Aurino Araujo que a hospedou em seu apartamento em Copacabana, no número 41 da rua Francisco Otaviano, onde já estavam instalados o cantor ligado à Jovem Guarda, Eduardo Araujo, irmão de Aurino, e o playboy Carlos Imperial, figura conhecida no meio artístico.
O terceiro lugar no concurso "A Voz de Ouro ABC" havia dado alguma projeção nacional a Clara. Isto aliado à força de alguns amigos fez com que Clara fosse encaminhada à Odeon, onde a diretora do departamento de divulgação da empresa, Alayde Araujo, a recebeu. Com o aval de Alayde, o diretor artístico da gravadora, Milton Miranda, resolveu apostar em sua conterrânea. Em 21 de julho de 1965, não muito tempo depois de ter chegado ao Rio, Clara entrou em estúdio para gravar "Amor quando é amor", de Othon Russo e Niquinho, canção lançada em um compacto simples e que posteriormente seria a primeira faixa do lado A do LP de estréia da cantora - A Voz Adorável de Clara Nunes -, cujo repertório era baseado em canções românticas com orquestrações grandiosas, estilo já há época um tanto fora de moda. Foi um fracasso absoluto, tendo somado apenas 3.100 cópias vendidas.
O número abaixo está presente no filme Os Reis do Iê-iê-iê, que marcou a estréia da dupla Renato Aragão e Dedé Santana no cinema.
É curioso que a cena reproduza o ambiente de um festival da canção em que Clara fica com o segundo lugar. Os festivais eram os grandes eventos musicais da época e serviram de palco para consagração dos artistas que acabariam entrando para a história da música brasileira. Não foi o caso de Clara. Poucos compositores acreditavam na mineira e menos ainda foram os que confiaram suas músicas para que ela as defendesse. Apresentando canções de compositores menores, Clara Nunes não obteve destaque durante a era do festivais. Invariavelmente, as músicas que interpretava não ficavam entre as primeiras colocadas. Pior, raramente chegavam às finais. "Sou filho de rei", de João Mello e Fernando Lobo, foi uma das raras canções com a qual ela alcançou a final, embora não tenha ficado nem entre as cinco primeiras colocadas. Foi em 1969, no V Festival da Música Popular Brasileira, em que "Sinal Fechado", de Paulinho da Viola, saiu consagrada como a grande vencedora. Veja a apresentação de Clara no festival:
Antes deste festival, ainda no ano anterior, Clara havia obtido seu primeiro sucesso, não sem o auxílio providencial, ainda que a contragosoto, do famigerado Carlos Imperial. Pressionado pelo amigo Aurino Araujo, Carlos Imperial resolveu ceder um samba que havia composto para Clara gravar. No intuito de conferir autenticidade à música, Carlos Imperial providenciou uma reunião com o bamba Ataulfo Alves para lhe apresentar a Clara e também à canção. Ataulfo ficou encantado com a cantora, fez alterações em um ou outro verso e terminou por assinar, em parcerica com Imperial, "Você passa, eu acho graça". A canção foi inscrita no festival O Brasil Canta no Rio, promovido pela extinta TV Excelsior. Imperial se encarregou do esquema de divulgação radiofônica e a música tocou bastante. A interpretação de Clara classificou a canção para a grande final, em que foi defendida pelo próprio Ataulfo. Mesmo estando entre as favoritas, "Você passa, eu acho graça" conquistou apenas o quinto lugar. Mas, pela primeira vez, Clara conseguia uma relativa projeção. E foi cantando um samba.
Bem, isto é o que conta Vagner Fernandes em Clara Nunes - Guerreira da Utopia. Confira abaixo a versão da cantora para a história, na qual ela faz apenas uma breve menção a Carlos Imperial e credita sua entrada no universo do samba exclusivamente a Ataulfo Alves.
Você passa e eu acho graça seria o nome do segundo LP de Clara Nunes, que conta ainda com outra composição da dupla Carlos Imperial e Ataulfo Alves ("Você não é como as flores"), mas a faixa-título não foi suficiente para garantir-lhe o sucesso. Embora tenha se configurado em mais um fracasso inapelável, neste disco, Clara fez sua primeira incursão para valer no universo do samba em músicas de compositores como Noel Rosa ("P'ra esquecer"), Martinho da Vila ("Grande Amor"), Darcy da Mangueira ("Cheguei à conclusão") e Chico Buarque ("Desencontro"), além da canção que dá nome ao LP. Tal opção, parece ter sido antes uma aposta comercial em função do relativo sucesso de "Você passa, eu acho graça" do que uma opção consciente da cantora ou de seus produtores. A produção musical seguiu privilegiando o canto empostado e os arranjos grandiosos, fiel ao conceito romântico no qual a cantora foi enquadrada pela gravadora. E mesmo contabilizando mais um fracasso, o terceiro disco de Clara Nunes não apresentaria nenhuma novidade em relação aos primeiros.
quinta-feira, 11 de outubro de 2007
Livro: Clara Nunes - Guerreira da Utopia
Orfã de pai e mãe desde os seis anos de idade, caçula da prole de seis filhos de Manoel Pereira de Araújo e Amélia Gonçalves Nunes, Clara Francisca Gonçalves foi criada pelos irmãos mais velhos, José Pereira Gonçalves e Maria Pereira Gonçalves, mais conhecidos na pequena Caetanópolis como Zé Chilau e Mariquita. Na noite de 3 de setembro de 1957, em defesa da honra da irmã, ele assassinou a facadas o menor Adilson Alvarez da Costa, cujo pecado mortal foi expor a amigos supostas intimidades que havia tido com a bela menina Clara. Delatado pela vítima antes de desfalecer, não restou outra alternativa a Zé Chilau a não ser fugir. Na ausência do verdadeiro culpado, Clara assumiu a condição de ré perante o julgamento moral infligido pela população de Caetanópolis. O verdito? Foi condenada sem direito a apelação, excluída de toda e qualquer atividade social, e se viu obrigada a partir para Belo Horizonte. Se os primeiros tempos na capital foram de dificuldades e privações - trabalhava o dia inteiro em uma tecelagem e morava de favor em um barraco de três cômodos dividido com parentes distantes -, a tragédia que se abateu sobre a sua vida, e que ainda a acompanharia por alguns anos, foi decisiva para que ela viesse a ter a oportunidade de tentar a sorte como artista.
O primeiro do capítulo do livro do jornalista Vagner Fernandes emprega artifícios literários para colocar o leitor no centro do furacão que tomou de assalto a vida da menina Clara, então com 15 anos recém completados. Evento que, por vias tortas, foi definitivo para que ela se tornasse Clara Nunes, a cantora brasileira mais popular de sua época.
Clara Nunes - Guerreira da Utopia narra os primeiros anos da vida da cantora com riqueza de detalhes. O autor reporta os fatos como se tivesse acompanhado a gênese da família Pereira Gonçalves e a juventude de Clara. Em um segundo momento, a partir da mudança para Belo Horizonte, a narrativa abandona eventuais pretensões literárias e assume a objetividade jornalística que vai pautá-la até o fim. Vagner Fernandes dá voz a testemunhas fundamentais do ingresso da jovem no ambiente musical capital mineira, aos avalistas de seus primeiros contratos radiofônicos e àqueles que apostaram em sua consagração regional definitiva no concurso "A Voz de Ouro ABC". Os depoimentos de Aurino Araujo, primeiro namorado sério de Clara e que seria o responsável por facilitar sua mudança para o Rio de Janeiro, revelam a insegurança e os dilemas vividos pela cantora em sua chegada à antiga capital federal. Foi na casa que ele mantinha no Rio de Janeiro que Clara conviveu com Carlos Imperial, que, embora não acreditasse no potencial daquela "caipira", como ele costumava se referir a ela em conversas com o amigo, foi o autor de seu primeiro sucesso: "Você passa, eu acho graça". A essa altura, Clara já tinha contrato assinado com a Odeon, gravadora que lançou seu primeiro LP - A Voz Adorável de Clara Nunes -, cujas vendas foram um fracasso absoluto.
Estes são fatos mais ou menos notórios. As revelações mais interessantes que o autor faz a respeito deste período dizem respeito ao flerte indeciso que Clara travou com a Jovem Guarda - mais uma escolha infeliz haja visto que a febre musical do momento era a Tropicália, capitaneada por Gil e Caetano, cujas propostas estéticas e intelectuais ousadas empurraram para o limbo midiático os roquinhos de Roberto, Erasmo e sua turma -, às suas participações sem destaque nos diversos festivais da época, ao rolo com a ditadura por ter gravado "Apesar de Você" - em contrapartida teve que gravar o Hino da Olímpiado do Exército -, e à descoberta da umbanda, evento que de alguma forma seria um primeiro passo inconsciente rumo à consolidação da identidade artística e espiritual da cantora, até então kardecista.
A partir do momento em que Paulo César Pinheiro entra na vida da cantora, o autor afasta a narrativa do núcleo íntimo de Clara para recorrer muito mais à memória coletiva da época, à pesquisa bibliográfica e a pessoas não tão próximas, do que àqueles que conviveram diretamente com ela. Um pouco disso está explicado nas entrelinhas: depois do casamento com Paulo César, muito em respeito ao novo companheiro, Clara torna-se mais reclusa. O autor faz questão de sublinhar que não foi Paulo César, sozinho, o responsável por esta mudança de atitude. Provavelmente não foi mesmo. Sempre muito expansiva, frequentadora da quadra da Portela, das rodas de samba, dos terreiros de candomblé, da casa de amigos, Clara queria ter filhos, constituir uma família e havia encontrado em Paulo César o parceiro ideal.
Mesmo agora, muitos anos depois, ele parece negar-se a uma maior exposição da época em que foram casados. Pouco se fica sabendo deste período pelas palavras do ex-marido. Este escudo em nome de uma privacidade póstuma, mantém algumas lacunas a respeito da atividade musical da cantora a partir do momento em que Paulo César assume a produção de seus discos e, juntos, os dois amplificam a pesquisa de gêneros e estilos musicais brasileiros que Clara já vinha desenvolvendo.
Clara manteve ao redor de si ao longo da carreira um círculo de compositores fiéis como alguns bambas da Velha Guarda da Portela, Nelson Cavaquinho, a dupla Romildo e Toninho, Mauro Duarte, João Nogueira, assim como sempre foi acompanhada em suas apresentações ao vivo pelos músicos do Conjunto Nosso Samba, desde sua adesão ao gênero até os últimos shows. De sua relação com eles pouco se fica sabendo através do livro. É verdade que, por outro lado, o convívio com Chico Buarque ganha bastante espaço em suas páginas, assim como é esclarecedor o depoimento de Paulinho da Viola sobre uma amizade que na verdade se resumiu a encontros ocasionais e a apenas duas músicas dele gravadas pela cantora: "Na linha do mar" e "Coração Leviano".
Não soa verossímil também a idealização da personagem operada pelo autor em afirmações recorrentes subtraindo todo e qualquer defeito ou incongruência que Clara pode ter demonstrado em um ou outro momento de sua vida. Não é algo comum ao ser humano, quanto mais no meio artístico, e a rivalidade com Beth Carvalho, assunto que injustamente é o que tem rendido mais espaço na mídia a propósito do lançamento da obra, mesmo sendo o único contraponto a uma conduta sempre irrepreensível, serve como prova em contrário. Com isso não se pode dizer que Beth tenha razão em suas críticas, pois sempre foi e sempre será uma sambista de menor estatura diante da multiplicidade musical de Clara, independentemente de qual das duas tenha sido a primeira a gravar um samba ou se vestido de branco para cantar. Pelo contrário, soam ainda mais levianas quando se leva em consideração que Clara não está mais aqui para dar a sua versão da história. Beth recorre a fuxicos como esse para não ser esquecida em vida, pois há tempos sua música sobrevive de regravações moribundas. Postas lado a lado, as obras de uma e de outra falam por si. A História com H maiúsculo Clara Nunes escreveu cantando. Historinhas menores como a de Beth existem muitas por aí.
Nos próximos dias, aproveitando o lançamento deste belo documento à memória de Clara Nunes, o Blog do Pindzim prestará a sua homenagem revivendo alguns momentos musicais e curiosidades biográficas daquela que foi em sua época a mais popular entre todas as cantoras e, hoje, sem dúvida, ainda que não seja totalmente reconhecida por isso, é a maior influência, consciente, inconsciente ou, talvez, sobrenatural, sobre a nova geração de mulheres que vai buscar no samba e nos ritmos regionais brasileiros a inspiração para os seus cantos. Guerreira, todas devem reverência a você. E todos nós à sua música.
Oxalá, Clara Nunes.
segunda-feira, 8 de outubro de 2007
A segunda vinda de Roberta Sá
Pois na semana passada, Roberta voltou aos palcos cariocas, desta vez no acolhedor Teatro Rival, depois de ter feito alguns shows em São Paulo e uma apresentação fechada no Estrela da Lapa para gravação do programa Palco MPB. Colhendo os frutos do sucesso de público e crítica, Roberta apresentou um show já amadurecido, conduzido pela segurança de uma cantora com pleno domínio do novo repertório. Uma evolução considerável, tanto mais porque duas semanas antes, no evento promovido pela rádio MPB FM, ela demonstrara insegurança nos dois números de abertura do espetáculo.
No palco, Roberta Sá é uma cantora que se afirma pela voz e a entrada em cena com "O Pedido", de Júnio Barreto e Jam da Silva, serve para que ela, a voz, imponha sua presença. Grande parte da platéia marca com palmas o ritmo da música enquanto Roberta canta com os olhos fechados. A empatia com o público é imediata, sem a necessidade de artifícios ensaiados. Vem "Alô Fevereiro", do finado Sidney Miller, samba de cadência contagiante que já no show do Canecão se apresentara como um dos pontos altos de Que belo estranho dia para se ter alegria. Liberta das rígidas amarras da direção, Roberta já não se vê constrangida a balançar os braços durante o coro tal qual uma Ivete Sangalo do samba. Apenas canta e é o que basta para encantar. A tímida dança durante o solo em baixaria da violonista Antônia Adnet é o máximo de desinibição a que ela se permite. Os efeitos eletrônicos que emulam scratches de um DJ, e soam anacrônicos no disco em um samba dos anos 70, ao vivo não têm o mesmo destaque. A versão sai ganhando, embora o belo arranjo de metais não seja reproduzido no palco.
A propósito, os efeitos eletrônicos presentes no disco soam como uma tentativa de modernizar a sonoridade de uma cantora que tem suas referências musicais calcadas no samba e em outros ritmos regionais cuja base instrumental das canções é fundamentalmente acústica. Se em Braseiro e no palco eles são discretos e funcionam basicamente como overdubs, em Que belo estranho dia para se ter alegria eles se destacam em diversas faixas e, definitivamente, não funcionam. São efeitos por si só antiquados em relação às experimentações elterônicas realizadas hoje em dia. Soam como ruídos estranhos à sonoridade das canções. É bem mais interessante, em termos de efeito modernizador, a introdução de uma guitarra em solo permanente sobre a base de "Interessa", um samba remoto cuja ingenuidade da letra cai bem à interpretação recatada da cantora.
O que fixa Roberta Sá como uma das grandes cantoras brasileiras da atualidade, além da voz, é claro, são os compositores que ela grava, especialmente os seus contemporâneos. Assim que, quando após as três músicas iniciais, ela volta ao primeiro disco, esperava-se que entre os sucessos obrigatórios - "A Vizinha do Lado", "Cicatrizes" e "Casa Pré-fabricada" - houvesse espaço para "Lavoura" , de Tereza Cristina e Pedro Amorim. Mas por enquanto não há. Se impõem até um Chico Buarque menor, como o de "Pelas Tabelas", possivelmente pelo significado deste nome para qualquer platéia de música brasileira.
Fechado o parentese, Roberta volta a Que belo estranho dia para se ter alegria com sua primeira canção autoral, feita em parceria com Pedro Luis. E a beleza de "Janeiros" se assenta justamente sobre a forma como a letra, dele, casa-se perfeitamente à bela melodia criada por ela em um samba-choro a altura da tradição do gênero. O mais recente sucesso aparece na metade do show: "Mais Alguém", de Moreno Veloso e Quito Ribeiro, o grande achado do novo disco, surpreendentemente levada à condição de música de trabalho. Roberta contou a Moreno que gostaria de gravar "Um passo à frente", porém, o compositor advertiu-a de que tal canção já havia sido registrada em disco por Gal Costa, mas prometeu que faria uma canção especialmente para ela. O resultado é uma fusão entre o samba de roda da Bahia, o axé e a bossa pós-tropicalista sobre versos que tangenciam os limites do brega romântico. Uma combinação original na qual se percebe de imediato a marca da dupla. No palco, a interpretação contida não diminui a potência vocal de Roberta ao mesmo tempo que desnuda toda a delicadeza de sua voz.
A ela seguem-se os dois números menos interessantes tanto do show quanto do disco. "Cansei de esperar você", de Dona Yvone Lara e Délcio Carvalho, é um samba morno que, pela temperatura, caíria melhor no Samba Meu de Maria Rita ou no universo de Marisa Monte não fosse ele particular. Com sua voz límpida, Roberta faz bonito, mas o arranjo pouco inspirado não justifica seu registro em disco. Na mesma linha há "Belo e estranho dia de amanhã". Esta uma bossa recauchutada cuja sonoridade passadista paga tributo à estética criada pelo produtor Lincoln Olivetti nos anos 80. Em sintonia com o arranjo, a letra dispara críticas à modernidade até cair em um refrão romântico daqueles que gruda no ouvido, mesmo que a contragosto. Por ironia, a canção é assinada por Lula Queiroga, o mesmo autor daquela que é o ponto alto de Braseiro: "Ah se eu vou". Ao cantá-la, mais tarde, Roberta o redimiria arrancando aplausos entusiasmados da platéia. No show atual não há mais o improviso sobre tema do Samba de Coco Raízes de Arcoverde. Pena, pois a combinação das duas músicas na voz de Roberta configurava-se em um dos grandes momentos do show de Braseiro.
A predominância de Pedro Luis entre os compositores do novo disco se explica pela promixidade entre o compositor e a cantora. Na parte final do espetáculo, Roberta apresentou as canções dele em parceria com Carlos Rennó - "Fogo e Gasolina" e "Samba do Amor e Ódio". Se não figuram entre as mais inspiradas do disco, servem para que Roberta explore o alcance e a potência de sua voz para deleite da platéia. O bis foi todo centrado em músicas do compositor: "No braseiro" e, antes do adeus definitivo, "Girando na Renda". A despedida antes do bis coube a "Laranjeira", de Roque Ferreira, em que o samba navega pelas águas do Rio e da Bahia. Em entrevista ao Estadão, Roberta sugeiriu que no futuro vai dedicar um disco inteiro às canções do compositor baiano no qual terá o acompanhamento do Trio Madeira Brasil. Resta esperar e torcer que os bons ventos realmente o tragam à luz. Pelo aperitivo oferecido em "Afefé", presente na coletânea Samba Novo, tem tudo para entrar para a galeria de clássicos da música brasileira.
A nota final fica por conta de uma dupla de compositores gravados por Roberta que não estão tendo destaque no show. São eles Rodrigo Maranhão e Edu Krieger. A nova versão de "Samba de um minuto", de autoria do primeiro, enxuta, com um arranjo quase minimalista, em que, no show, por vezes a voz de Roberta é acompanhada apenas por percussão, perdeu força e intensidade. "Novo Amor", do segundo, foi registrada em estúdio com o acompanhamento único do bandolim de Hamilton de Holanda e acabou excluída dos shows por não poder ser fielmente reproduzida ao vivo. Lamenta-se, pois a versão de Roberta vai além de uma simples releitura. Ela recria a música ressaltando sua riqueza harmônica e a beleza da melodia. Talvez fosse o caso de criar um arranjo em voz e violão que mantivesse o clima de intimidade entre cantora e instrumentista e o diálogo entre o som e o silêncio. Casaria-se perfeitamente a "Olho de Boi", última música de Braseiro, de autoria de Rodrigo Maranhão, outra que raramente é executada ao vivo, possivelmente pelo mesmo motivo - a sutileza da combinação de voz, violão e ataúde da versão gravada em estúdio. Juntas no roteiro do show elas propiciariam o ápice da comunhão entre a jovem cantora e o seu público apaixonado.
Roberta Sá confirmou no palco a excelência artística de seus discos. O espetáculo está bonito, mas tende a melhorar à medida que as apresentações forem se sucedendo, assim como aconteceu com os shows de Braseiro, e as emoções contidas da intérprete se misturem à razão da cantora irrepreensível com cada vez mais naturalidade. E também com maior abertura ao imponderável.
quarta-feira, 19 de setembro de 2007
Pindzim com câmera nova
A estréia aconteceu no show do Samba de Coco Raízes de Arcoverde, no encerramento do evento Onda Cidadã que ocupou a tenda do Circo Voador durante dois dias com debates acerca de temas ligados à comunicação e à cultura. Embora desta vez eles tenham vindo com menos integrantes do que nas apresentações anteriores aqui no Rio, o grupo manteve o álto nível no palco, contagiando o público presente com a tradição familiar dos Gomes e dos Calixto. "Acorda Criança" foi a música que encerrou a apresentação. Destaque para o canto agudo da menina na voz principal de quem desconheço o nome. Fui obrigado a tentar amenizar os graves em uma equalização posterior e isso acabou prejudicando a qualidade da imagem. Mas aí está:
Saindo do Circo, atravessei os arcos da Lapa em direção ao Teatro Odisséia onde o Vanguart, grande sensação atual da cena independente do rock brasileiro, iria se apresentar. O show e a musicalidade da banda merecem comentário mais aprofundado neste espaço, mas por hora vamos nos limitar aos vídeos. Registrei três músicas da banda: "Los Chicos de Ayer", canção em espanhol que está no disco de estréia "oficial" da banda matogrossense, ficou com, literalmente, graves problemas de áudio devido à altura do som na casa e da proximidade do microfone em relação às caixas. Pelo princípio de ineditismo que rege a Tuba, este é o vídeo que deveria ter sido postado, mas, infelizmente o som o condenou. Os outros foram "Femme Fattale", cover do Velvet Underground & Nico, e "Rainy Day Song", canção que integra os álbuns não oficiais da banda - "The Noon Moon", de 2002, e "Before Vallegrand" de 2005. Escolhi a última por se tratar de minha música favorita da banda, embora existam diversas outras versões da mesma no Youtube.
Por fim, fiz alguns vídeos da apresentação da cantora Roberta Sá durante a gravação do programa Palco MPB, da rádio MPB FM, no Estrela da Lapa. Estes foram condenados, ao contrário dos anteriores, devido ao aúdio ter ficado com um nível muito baixo, problma que não pôde ser resolvido posteriormente. Estou devendo um comentário sobre o novo disco da cantora Que belo e estranho dia para se ter alegria. Aguardem.
Espero que o período de adaptação e de testes da nova câmera termine em breve. Até as próximas atualizações.
Agô Pindzim!
terça-feira, 18 de setembro de 2007
O segundo disco de Alessandra Leão
Pindzim: Quando deverá acontecer a turnê? Apenas depois do novo disco lançado ou antes disso?
Alessandra Leão: Depois, a turnê será de lançamento do CD nessas cidades.
Pindzim: O disco terá apenas composições próprias e inéditas ou alguma regravação?
Alessandra Leão: Estamos em pleno processo de definir o repertório, porque temos mais músicas do que cabe num CD... Mas, devo gravar praticamente todas as músicas inéditas e faremos apenas uma adaptação de um samba de roda do Mestre Quadrado da Ilha, lá do Recôncavo. Claro que isso ainda pode mudar... mas, no momento tá assim.
Pindzim: O músico africano Kimi Djabaté foi convidado a participar do disco, como será esta participação?
Alessandra Leão: Kimi Djabaté é um músico de Guiné Bissau, ele canta e toca guitarra e cabaça. Tive o prazer de convidá-lo para participar do show que fizemos em Portugal esse ano. Ele deve participar da música que cantamos juntos nessa ocasião, que é de autoria de Juliano Hollanda (meu parceiro em duas músicas do Brinquedo de Tambor e em uma do próximo CD) e chama-se "Partilha".
Pindzim: Esse convite aponta para uma aproximação de sua música aos ritmos africanos?
Alessandra Leão: Um dos meus principais objetivos com a música é que ela me possibilite estabelecer relações criativas com músicos das mais diversas formações possíveis. Ter Kimi cantando comigo foi um grande prazer. Primeiro porque ele é um músico muito talentoso, segundo porque eu escuto muito música africana e nosso encontro acabou sendo mais "natural" do que eu imaginava. Esse ano fui convidada para fazer participar com o Brinquedo de Tambor e também para coordenar em Pernambuco, um festival que envolve os países de língua portuguesa, o Na Ponta da Língua; através dele, tive o prazer de conhecer outros músicos fantásticos da Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique, Portugal, S. Tomé e Príncipe... e já estamos pensando em convidar alguns deles para participar do próximo CD.
Pindzim: Há previsão para o lançamento do disco?
Alessnadra Leão: Se toda a burocracia correr bem, em julho do ano que vem devemos ter a bolachinha na mão.
Pindzim: Espero que o show chegue ao Rio também.
Alessandra Leão: Também espero muito! Beijo grande
Alessandra Leão**************************************
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
Rodrigo Maranhão - Myspace e show em BH
Boa notícia também é que outras capitais começam a receber o show do compositor. A primeira é Belo Horizonte, onde Rodrigo e banda se apresentam quarta-feira no Teatro Alterosa, às 21h. Neste feriado Pindzim esteve em terras mineiras e ouviu "Pra Tocar na Rádio" rodando na Guarany FM. Que imenso privilégio este dos mineiros de serem os primeiros a conferir ao vivo às músicas de Rodrigo Maranhão depois dos cariocas. Este que vos fala jamais perde uma oportunidade e garante: imperdível. Pudera eu estar lá.
Serviço: Rodrigo Maranhão e banda - 12 de setembro - quarta-feira
Local: Teatro Alterosa - Av. Assis Chateaubriand, 499 - Floresta
Horário: 21:00
Ingressos: R$ 30,00 (inteira) / 15,00 (meia)
Informações: 3237-6611.
terça-feira, 4 de setembro de 2007
Temporada paulistana 4 - conhecendo o Studio SP
Cansado pelas peregrinações culturais na capital paulista, Pindzim foi conhecer o Studio Sp em uma noite especial. Na sessão Cedo e Sentado, show de Thalma de Freitas e Nina Becker com o piano magnífico do maestro Laércio de Freitas. Em seguida, Kassin+2 no palco principal. Após um filé na mostarda no São Cristovão, cheguei atrasado e me posicionei ao lado do palco onde Thalma, Nina e o maestro divertiam-se desfiando clássicos antigos entre taças de vinho. A apresentação já se encontrava na parte final. Esgotado o repertório pré-definido, as músicas eram escolhidas na hora, entre um gole e outro. Ainda deu para apreciar algumas canções na voz aveludada de Nina Becker, cantando sentada, olhos fechados, sobre as ondulações do teclado do sorridente maestro. Antes do fim, só pra contrariar, Thalma de Freitas puxou uma música de Chico Buarque. (Em uma entrevista à Folha de São Paulo na véspera, Nina havia declarado não entender como novas cantoras gravam músicas de Chico Buarque que já foram gravadas tantas vezes.) Realmente, não é a praia dela. Enrolou-se com a letra e precisou do auxílio de Hélio Flanders, do incensado Vanguart, a soprar-lhe os versos ao pé do ouvido, sob gargalhadas da platéia. Dessa forma bem humorada encerrou-se a apresentação. Ao descer do palco, o Maestro Laércio de Freitas comentou sobre as propriedades do vinho sobre a música.
Até o começo do show de Kassin+2 no andar de baixo, mais de uma hora se passou e o espaço diante do palco extrapolou sua capacidade máxima. Quando as primeiras notas de "O seu lugar" anunciaram o início do show, parecia estar faltando um integrante da banda. Moreno Veloso se fazia invisível, sentado com o seu violão. Apesar do som impecável, estava difícil curtir o show devido à lotação da pista naquela sexta-feira. Ainda resisti a "Quando Nara ri", mas depois preferi ir embora, dando por encerrada a breve temporada paulistana. Apesar disso, ficou-me a melhor impressão possível do Studio SP. Afinal, não há no Brasil uma casa de shows em que se possa assistir no espaço de um mês aos melhores nomes da música brasileira independente: Dona Zica (30/08), Cidadão Instigado (01/09), Charme Chulo (04/09), Katia B (06/09), Vanguart (18/09), Thalma de Freitas e convidados (22/09), Turbo Trio (28/09) e Z'África Brasil (29/09). Fica a certeza de que em breve estarei de volta.